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11.6 - O REINO DO SUL E SEUS PROFETAS 931-587 a.C
11.6 - O REINO DO SUL E SEUS PROFETAS 931-587 a.C

Vimos no estudo anterior os motivos que levaram à bipartição do reino de Salomão. Convém lembrar somente este detalhe: o cisma político foi causado por discordâncias do sistema de governo. As tribos do Norte, penalizadas com os tributos no regime de Salomão, reivindicavam um sistema mais igualitário e menos opressor. A falta de experiência política de Roboão, filho de Salomão, anunciando um governo ainda mais duro e recusando-se a atender as reivindicações do povo do Norte, provocou a revolta e consolidou a dissidência entre as duas regiões. Surgiram, então, os dois reinos, um no Norte, outro no Sul. Depois do cisma político, veio o cisma religioso: o Norte organizou seu próprio sistema religioso, inicialmente fiel ao Senhor, mas fazendo concessões cada vez mais perigosas à influência do baalismo, a ponto de perder sua identidade como religião dos pais da fé.

 

No Sul, o reino de Judá, cuja capital era Jerusalém, teve depois de Roboão, o filho de Salomão, 19 reis, dos quais vários foram assassinados. O Reino de Judá não teve a prosperidade de seu vizinho do Norte, mas não o invejava, pois tinha a firmeza das suas instituições, que faltavam a Israel, isto é, a promessa divina de eleição, estabilidade e permanência para sempre, pois o Senhor escolhera Jerusalém para habitar (1Rs 11,36; 14,21; Sl 48), o rei descendente de Davi para governar o seu povo, a quem Deus fez a promessa de acompanhar no governo (2Sm 7,8-16; Sl 89,4) e o Templo único lugar autorizado pelo Senhor para ser cultuado (Dt 12,4-11). De fato, essas instituições encantavam o povo. A quantidade de salmos falando dessa eleição divina é surpreendente. Também pudera: os salmos eram usados nas liturgias do Templo. Assim, o povo precisava ouvir esse tipo de pregação e fortalecer sua confiança nas promessas divinas. Acalentado por essa melodia religiosa, o povo podia cantar, aliviado, como faria Benito Di Paula: "Tudo está no seu lugar, graças a Deus! ”. Não devemos nos esquecer de dizer: graças a Deus! Graças a Deus!

 

Mas será que tudo estava no seu lugar? A trajetória do reino de Judá apenas ensaiou tomar um rumo diferente de seu irmão do Norte, Israel. Já no tempo de Roboão, primeiro rei do Sul em tempos de monarquia dividida, as coisas começaram a andar fora de lugar. Convém citar aqui o fato de que praticamente todos os reis, a partir de Roboão, receberam, no livro dos Reis, uma avaliação negativa: "fizeram o que é mau aos olhos do Senhor ou, em alguns casos, mesmo tendo feito o que é agradável ao Senhor, não conseguiram eliminar totalmente a idolatria nos lugares altos". Somente dois reis do Sul ganharam uma nota melhor: Ezequias e Josias. Mesmo assim foi pouco para evitar o pior no reino do Sul.

 

Vamos ver neste estudo a história do reino do Sul, suas características e os personagens que marcaram sua existência: reis, profetas e o povo. Por fim, veremos também o material literário que surgiu no Sul, de gente culta e de gente simples do povo.

 

1. Cronolgia dos principais reis de Judá

O reino do Sul, reino de Judá, cuja capital era Jerusalém, teve 20 reis, dos quais vários foram assassinados e durou 345 anos. Vamos conhecer apenas os principais reis e os profetas que nele atuaram. Os reis cujos nomes estão em negrito, são os que tiveram um governo marcado por acontecimentos importantes para compreendermos os rumos da história do reino do sul. Os que não eram filhos do rei anterior estão em itálico.

 

CRONOLOGIA DOS REIS DE JUDÁ

 

Roboão

931-913

1Rs 14,21-31; 2Cr 10-12

Abiam

913-911

1RS 15,1-8;2Cr13,1-23

Asa

911-870

1RS 15,9-24; 2Cr 14,1-16,14

Josafá

870-848

1RS 22,41~5l, 2Cr 17,1-21,1

Jorão  

848-841

2RS 8,16-24, 2Cr 21,2-20

Ocozias (Acazias)

841

2RS 8,25-29; 2Cr 22,1-9

Atalia (mãe de Ocozias)

841-835

2RS l l,I-20; 2Cr 22,10-23,15

Joás

835-796

2RS l2,l-22 2Cr 24,1-27

Amasias

796-781

2RS l4,l-22 2Cr 25,1-28

Ozias (Azarias

781-740

2RS 15,1-7; 2Cr 26,1-23

Joatão

740-736

2RS 15,32-38; 2Cr 27,1-9

Acaz

736-716

2RS 16,1-20; 2Cr 28,1-27

Ezequias

716-687

2RS 18,1-20,2l; 2Cr 29,1-32,33

Manassés

687-642

2RS 2l,l-18; 2Cr 33,1-20

Amon

642-640

2RS 21,19-26; 2Cr 33,21-25

Josias  

640-609

2Rs 22,1-23,30; 2Cr 34,1-35,27

Joacaz ,

609 (três meses)

2RS 23,31-35; 2Cr 36,1-4

Joaquim (irmão de Joacaz)

609-598

2Rs 23,36-24,7; 2Cr 36,5-8

Joaquin (Jeconias)

598-587

2RS 24,17-25,7' 2Cr 36,9-10 Primeira deportação pelos babilônios

Sedecias (Matanias, irmão de Josias)

598-587

2Rs 24,17-25; 2Cr 36,11-23

Destruição de Jerusalém pelos babilônios

587/6

Deportação. Fim do reino de Judá

       

 

1.1. Roboão: Roboão, filho de Salomão, governou de 931 a 913 a.C (1Rs 14, 21-31) e continuou a política de seu pai, mantendo sua linha dura (1Rs12,14) e continuou também sua prática idolátrica nos seus 17 anos de reinado. Construiu lugares altos para culto, ergueu estelas (colunas) e postes sagrados sobre toda colina elevada e debaixo de toda árvore frondosa e deu liberdade até para a prostituição sagrada.

 

É provável que não tenha feito nenhum esforço para reunificar o Reino, pois Israel era muito maior que Judá. A organização militar criada por Salomão estava também enfraquecida. Muitos de seus soldados não lhe eram mais fiéis e grande parte deles estava no Norte, fora de seu controle. Além disso, a população de Judá provavelmente não estava muito interessada em promover guerras.

 

Deve ter havido tensões entre a aristocracia de Jerusalém, proveniente da corte luxuosa de Salomão, e os camponeses, que continuavam explorados. No quinto ano de seu reinado o rei do Egito, Sesac, atacou Jerusalém e apossou-se dos tesouros do Templo de Javé e do palácio real. Os reis que sucederam a Roboão continuaram, uns mais outros menos, seguindo sua política externa e interna, inclusive na parte religiosa.

 

1.2 Josafá: De 870 a 848 reinou Josafá em Judá (1Rs 22,41-51). Tornou-se aliado de Omri, rei de Israel, em sua política agressiva, com o que trouxe a Judá maior prosperidade. Ele, como seu antecessor Asa, foi defensor sincero do javismo, seguindo seus monumentos e suprimindo em Judá os lugares de cultos idolátricos. Não conseguiu, entretanto, que estes desaparecessem.

 

Lemos em 2Cr 17 que a administração de Josafa foi eficiente. Colocou tropas em todas as cidades fortificadas e estabeleceu governadores na terra de Judá e nas cidades de Efraim que Asa, seu pai, tinha conquistado. Possuía importantes reservas nas cidades de Judá e guerreiros valentes em Jerusalém.

 

Fez aliança com Acab, rei de Israel, que queria atacar, com ele, Ramot de Galaad (2Cr 18). Josafá quis antes pedir conselho ao profeta Miquéias de Jemla, sobre o qual falaremos mais adiante. Este predisse a dispersão de Israel. Realmente isto sucedeu e Acab morreu na luta.

 

Josafá realizou ainda reformas judiciárias (2Cr 19), estabelecendo juízes para todas as cidades fortificadas de Judá Em Jerusalém estabeleceu sacerdotes, levitas e chefes de famílias israelitas, para promulgar as sentenças de Javé e julgar os processos.

 

1.3. Acás: Acás reinou em Judá de 736 a 716 (2Rs 16). Nesse tempo o poder da Assíria já tinha se firmado de novo. Judá, no Sul, sobreviveu à invasão assíria que destruíra Samaria em 721, mas viu-se cada vez mais acuado pelo poderio inimigo. Inexperiente Acaz não sabia se fazia um pacto com a Assíria ou se unia ao Egito para fazer frente ao conquistador. No seu tempo, Israel e Damasco se uniram numa coligação militar contra a Assíria e queriam arrastar, nessa coalizão, também o reino de Judá, peça importante para o sucesso da operação anti-assíria.

 

O profeta Isaías, nessa época, aconselhou a estrita neutralidade, criticando os pactos com estrangeiros e propondo a absoluta confiança no Senhor. Os reis dos dois países vizinhos de Judá, Facéias (Israel) e Rason (Damasco) - atacaram Judá para pressionar Acas a entrar na coligação. Mas o rei acabou cedendo à pressão do grupo pró-assírio e fez um acordo com os assírios, tornando-se vassalo mediante pagamento de tributos:

 

Os profetas Isaías e Miquéias, desse período, viram nisso as consequências do abandono da Aliança do Senhor por parte de Judá. Os assírios derrotaram os dois reis que ameaçavam Judá, forçando-os a pagar pesados tributos. Mas a situação de Judá não ficou melhor do que a dos reinos de Israel e Síria.

 

O custo para dar uma sobrevida à frágil monarquia do Sul foi bem alto. Sem a ajuda do Egito para fazer frente ao avanço assírio, Judá ficou sozinho. Na onda de conquistar a região, o exército assírio chegou a se apossar de boa parte do território do reino do Sul. Jerusalém ficou isolada “como uma choça em uma vinha” (Is 1,7-8; 2Rs 18,13-16). A situação foi ficando cada vez mais difícil, 

 

Confira em Is 7, 14

Em 734 a.C., Acaz sobe ao trono de Judá (o Povo de Deus está, nesta altura, dividido: a norte, há um reino formado por dez tribos, com o nome de Israel e com a capital na Samaria; a sul, há outro reino, formado por duas tribos, com o nome de Judá e com a capital em Jerusalém). Por esta época, Judá goza de alguma prosperidade econômica e de relativa tranquilidade política... No entanto, as campanhas militares de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, rapidamente lançam os países da zona em alvoroço e anunciam tempos complicados para os pequenos reinos da terra de Canaan.


As coisas complicam-se quando Pecah, rei de Israel, tenta formar uma coligação anti-assíria, capaz de resistir às investidas imperialistas de Tiglat-Pileser III. O rei de Israel pretende que essa coligação integre a Síria e Judá. No entanto, Acaz, rei de Judá, recusa-se a embarcar nessa aventura; então Pecah, rei de Israel, e Rezin, da Síria, lançam as suas tropas contra Judá. Acaz, assustado, decide pedir a ajuda dos assírios para resistir aos invasores. O profeta Isaías, no entanto, não concorda: para ele, a única esperança e segurança com que Judá deve contar é Jahwéh, o seu Deus; confiar a segurança da nação a potências e a exércitos estrangeiros é abandonar Deus e expor o país a dependências que só podem trazer sofrimento e opressão. No entanto, Acaz insiste pedir a ajuda da Assíria... É então que o profeta Isaías se dirige ao rei e lhe pede que, se não acredita nas suas recomendações, peça a Deus um "sinal" para decidir o que Deus quer e o que é melhor para o Povo. Acaz tem a decisão tomada e recusa pedir a Deus um "sinal"... Mas Isaías quer, mesmo assim, deixar ao rei um "sinal" de Deus...

 

MENSAGEM

O "sinal" de Deus é este: "a jovem (em hebraico: "ha-'almah") conceberá e dará à luz um filho, e o seu nome será Deus connosco" (em hebraico: "'Imanu El"). O profeta refere-se a quê, em concreto? Certamente ao fato histórico da gravidez da jovem esposa do rei (Abia, filha de Zacarias; o título "a jovem" aparece, aliás, em certos textos de Ugarit para designar a esposa do rei) e posterior nascimento do filho Ezequias, que veio a ocupar o trono de Judá quando Acaz morreu... O nascimento desse bebé será a garantia de que a descendência de David continuará e de que, apesar do ataque dos inimigos (Pecah de Israel e Rezin de Damasco), Judá terá um futuro. Este bebé é, portanto, um sinal de que "Deus está conosco" e que continua a cuidar do seu Povo e a oferecer-lhe um futuro de esperança.


Ao abordar este texto, a versão grega dos "Setenta" utilizou o vocábulo "parthénos" ("virgem") para traduzir o hebraico "'almah" ("jovem"). Por isso, desde o séc. II a.C. (ou até antes), uma parte da tradição judaica viu neste nascimento excepcional uma referência ao Messias, que haveria de nascer de uma "virgem". A tradição cristã, naturalmente, aplicou este oráculo a Jesus; e Maria, a mãe de Jesus, passou a ser essa "virgem" nomeada no texto grego de Is 7,14.

 

1.4- Ezequias: A Acas sucedeu seu filho Ezequias (Is 7,14.9,5), que reinou de 716 a 687. Ele foi o primeiro rei de Judá, no Sul, após a destruição do reino do Norte. Advertido por este acontecimento no país vizinho, quis melhorar as coisas no seu reino e promoveu uma ampla e importante reforma político e religiosa de combate aos cultos cananeus (2Rs 18,4), dando início a um movimento que visava unir as tribos do Norte com as do Sul, sob o comando da dinastia de Davi instalada em Judá. Com isso ele queria reunir todo o povo em torno de um só Deus e de um só rei: https://www.youtube.com/watch?v=RwGfVJBMEHI

 

Este movimento destruiu santuários, aboliu imagens, proibiu todo culto fora de Jerusalém, e também proibiu o culto a qualquer outra divindade que não fosse Javé. Fazendo de Jerusalém, capital de Judá, o único local onde se podia oferecer sacrifício, os israelitas daí em diante deveriam adorar exclusivamente a Javé. Desse modo ele foi tentando unificar novamente Judá e Israel, restabelecendo assim o antigo império davídico, com o povo, em torno de um só Deus e de um só rei já que Judá era o único herdeiro da identidade das antigas tradições de Israel. Por conta disso Ezequias foi muito bem avaliado pelos redatores deuteronomista conforme 2Rs 18,1-3. O livro de Crônicas descreve com mais detalhes a reforma de Ezequias (2Cr 29,3-32,33).

 

Para legitimar essas reformas, os escribas do templo especialistas em sabedoria e leis, acolheram com muito interesse as tradições vindas do Norte (Dt 12-26), as quais eram as primeiras leis de centralização do culto no templo e as integrou aos escritos já existentes, desde o tempo de Salomão, somando-os a coletânea de provérbios, especificamente 25-29 com o objetivo de fortalecer a consciência nacional e patriótica. Tal documento adaptado aos interesses do rei, e com os acréscimos necessários para a legitimação dos interesses do rei deveria ser guardado no templo e lido periodicamente em público com o objetivo de fortalecer a autoridade do rei diante do povo.

 

Acrescentando essas leis (Dt 12, 13-14; 16,2.6.11.15-16), os escribas de Ezequias legitimaram a reforma centralizadora promovida pelo rei, e assim elas se procederam se destacando a purificação do Templo com a retirada de objetos "impuros", e os cultos cananeus tolerados ou adotados pelos reis predecessores e seus sacerdotes. Realizou também uma celebração de expiação pelos pecados e restaurou o culto legítimo a Javé que tinha sido desvirtuado. Convocou uma celebração da Páscoa, que já devia estar esquecida e reformou o clero, restabelecendo a ordem instituída por Salomão, conforme prescrevera o próprio Davi (2Rs 18,1-8; 2Cr 31,2-21).

 

O próprio Ezequias deu um exemplo de piedade e de confiança no Senhor, merecendo, por isso, um milagre anunciado por Isaías, quando o rei estava enfermo (2Rs 20,1-11). No seu tempo o rei da Assíria, Senaquerib, chegou a sitiar Jerusalém, em 701 a.C., depois de tomar várias cidades fortificadas de Judá (2Rs 18,13-16) e por isso a sua reforma foi interrompida (2Rs 18-19).

 

Ezequias que subiu ao trono com projetos e esperança justamente de escapar da dominação assíria, recorreu a Javé (2R 19, 14-19) e nessa mesma noite o "anjo de Javé" arrasou o exército de Senaquerib, que levantou acampamento e fugiu, poupando assim Jerusalém (Is 37,36-37). Isso foi interpretado, por Isaías, como o sinal da proteção de Deus que salvou a cidade (2Rs 19,20-34).

 

Os habitantes da cidade ficaram aliviados ao ver os inimigos voltar para trás. Essa libertação "misteriosa" da cidade fora garantida pela palavra do profeta Isaías. Ele pregava a confiança no Senhor, que defenderia a sua cidade (Is 37,1-7; 2Rs 19,20s). Mas, depois da retirada dos assírios, Isaías ficou irritado e decepcionado com o rei e com o povo, porque acabaram interpretando a salvação da cidade como uma necessidade. O Senhor era obrigado a defender a sua cidade, independente da conversão do povo. Diante da euforia do povo, que não dava crédito à pregação profética que exigia a volta à ética da Aliança, Isaías mudou o discurso: o simples fato de ser "a cidade santa" não era garantia para evitar a sua ruína, pois a injustiça crescia sempre mais e começou a pregar a destruição da cidade e a queda do Reino de Judá, tomado pela Babilônia (2Rs 20,16-19).

 

Tal libertação, contudo, não trouxe a conversão esperada pelo profeta. O povo e o rei continuaram esquecendo as exigências de justiça da Aliança do Senhor. Continuaram crendo em suas instituições como se fossem amuletos de sorte. Isaías denunciou de novo esse insustentável otimismo (Is 22, l-14). O simples fato de ser "a cidade santa" não era garantia para evitar a sua ruína, pois a injustiça crescia sempre mais.

 

Depois de Senaquerib, a Assíria foi perdendo, pouco a pouco, o domínio sobre os territórios conquistados. Ao mesmo tempo, outra nação começava a despontar no horizonte da política internacional com vocação para assumir o controle de um grande império: a Babilônia. Já no tempo de Ezequias, uma embaixada babilônica se apresentara ao rei de Judá, quando de sua cura. O profeta Isaías viu nesse interesse dos babilônios um presságio da futura deportação para o exílio de toda a riqueza do reino de Judá, mostrada pelo rei à embaixada babilônica (2Rs 20, l2-19).

 

Antes que os babilônios chegassem, Judá conheceria ainda uma fase difícil: os dois reis seguintes, Manassés (687-642) filho e sucessor do rei Ezequias e Amom (642-640). Foram terrivelmente ímpios. Não só jogaram por terra o começo da reforma religiosa empreendida por Ezequias, a qual teve a sua continuidade com Josias, como também promoveram abertamente os cultos cananeus. Manassés foi extremamente violento, exercendo uma política de opressão pesada em cima do povo (2Rs 21,1-9.16.19-22).

 

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Em  Is 7,10-14, diz que  o Senhor mandou ao rei Acaz a seguinte mensagem: «Pede um sinal ao Senhor teu Deus, quer nas profundezas do abismo, quer lá em cima nas alturas». Acaz respondeu: «Não pedirei, não porei o Senhor à prova». Então Isaías disse: «Escutai, casa de David: Não vos basta que andeis a molestar os homens para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel».

 

AMBIENTE

Em 734 a.C., Acaz sobe ao trono de Judá (o Povo de Deus está, nesta altura, dividido: a norte, há um reino formado por dez tribos, com o nome de Israel e com a capital na Samaria; a sul, há outro reino, formado por duas tribos, com o nome de Judá e com a capital em Jerusalém). Por esta época, Judá goza de alguma prosperidade económica e de relativa tranquilidade política... No entanto, as campanhas militares de Tiglat-Pileser III, rei da Assíria, rapidamente lançam os países da zona em alvoroço e anunciam tempos complicados para os pequenos reinos da terra de Canaan.


As coisas complicam-se quando Pecah, rei de Israel, tenta formar uma coligação anti-assíria, capaz de resistir às investidas imperialistas de Tiglat-Pileser III. O rei de Israel pretende que essa coligação integre a Síria e Judá. No entanto, Acaz, rei de Judá, recusa-se a embarcar nessa aventura; então Pecah, rei de Israel, e Rezin, da Síria, lançam as suas tropas contra Judá. Acaz, assustado, decide pedir a ajuda dos assírios para resistir aos invasores. O profeta Isaías, no entanto, não concorda: para ele, a única esperança e segurança com que Judá deve contar é Jahwéh, o seu Deus; confiar a segurança da nação a potências e a exércitos estrangeiros é abandonar Deus e expor o país a dependências que só podem trazer sofrimento e opressão. No entanto, Acaz insiste em pedir a ajuda da Assíria... É então que o profeta Isaías se dirige ao rei e lhe pede que, se não acredita nas suas recomendações, peça a Deus um "sinal" para decidir o que Deus quer e o que é melhor para o Povo. Acaz tem a decisão tomada e recusa pedir a Deus um "sinal"... Mas Isaías quer, mesmo assim, deixar ao rei um "sinal" de Deus...

 

MENSAGEM

O "sinal" de Deus é este: "a jovem (em hebraico: "ha-'almah") conceberá e dará à luz um filho, e o seu nome será Deus conosco" (em hebraico: "'Imanu El") (vers. 14). O profeta refere-se a quê, em concreto?


Certamente ao facto histórico da gravidez da jovem esposa do rei (Abia, filha de Zacarias; o título "a jovem" aparece, aliás, em certos textos de Ugarit para designar a esposa do rei) e posterior nascimento do filho Ezequias, que veio a ocupar o trono de Judá quando Acaz morreu... O nascimento desse bebé será a garantia de que a descendência de David continuará e de que, apesar do ataque dos inimigos (Pecah de Israel e Rezin de Damasco), Judá terá um futuro. Este bebé é, portanto, um sinal de que "Deus está conosco" e que continua a cuidar do seu Povo e a oferecer-lhe um futuro de esperança.


Ao abordar este texto, a versão grega dos "Setenta" utilizou o vocábulo "parthénos" ("virgem") para traduzir o hebraico "'almah" ("jovem"). Por isso, desde o séc. II a.C. (ou até antes), uma parte da tradição judaica viu neste nascimento excepcional uma referência ao Messias, que haveria de nascer de uma "virgem". A tradição cristã, naturalmente, aplicou este oráculo a Jesus; e Maria, a mãe de Jesus, passou a ser essa "virgem" nomeada no texto grego de Is 7,14.

 

ATUALIZAÇÃO


• O fato decisivo, neste texto, é a afirmação de que Deus não abandona o seu Povo, mas que é e será sempre o "Deus-conosco". A próxima celebração do nascimento de Jesus recorda e celebra esse facto fundamental: Deus ama-nos de tal forma que continua a vir ao nosso encontro... Neste tempo de espera da vinda, somos convidados a tomar consciência do amor de Deus, que se manifesta numa presença permanente a nosso lado; com Ele a dar-nos a mão e a palmilhar conosco a estrada da vida, podemos enfrentar todos os desafios.


• A partir deste texto e do ambiente em que ele nasce, podemos também pôr o problema das falsas seguranças e das falsas esperanças. Acaz confiava mais na segurança dos exércitos estrangeiros do que em Jahwéh... Em que é que o homem de hoje coloca a sua confiança e a sua esperança? Para evitar um holocausto nuclear, é no equilíbrio das armas que podemos confiar? Para termos uma sociedade mais justa e mais fraterna, é nos políticos que podemos confiar? Para nos sentirmos seguros e confortáveis, é no dinheiro que podemos confiar? Para iludirmos a doença ou a morte, é nos novos medicamentos ou nos progressos da medicina que podemos confiar? Onde está a nossa "rocha segura" que não falha: em Deus ou nas estruturas humanas?


• Acaz não quis ou não soube "ler" os "sinais" que Deus colocou diante dos seus olhos, não conseguiu fazer a escolha acertada e acabou por conduzir o seu Povo por caminhos de morte e de desgraça... Isto coloca-nos o problema dos "sinais": um erro na leitura do radar pode fazer em destroços um avião ou um navio; uma falha na sinalização luminosa causa um desastre inevitável... Estamos atentos aos "sinais" que Deus semeia na estrada da nossa vida e através dos quais nos indica o caminho a seguir, ou caminhamos numa alegre inconsciência, ao sabor da corrente, desviando-nos por atalhos que nos afastam do objetivo e nos fazem sofrer?

 

Em Is 9,1-6

No Livro do profeta Isaías aparece um conjunto de oráculos ditos "messiânicos", que falam desse mundo de justiça e de paz que Deus, num futuro sem data marcada, vai oferecer ao seu Povo. No entanto, não é seguro se esses textos provêm do profeta, ou se são oráculos posteriores que o editor final da obra de Isaías enxertou no texto original do profeta... É o caso deste texto que nos é proposto.


Se for de Isaías, o nosso texto pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta... Estamos na época do rei Ezequias, no final do séc. VIII a.C.; o rei, desdenhando as indicações do profeta (para quem as alianças políticas são sintoma de grave infidelidade para com Jahwéh, pois significam colocar a confiança e a esperança nos homens), envia embaixadas ao Egito, à Fenícia e à Babilônia, procurando consolidar uma frente contra a grande potência da época - a Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não tarda: tendo vencido, sucessivamente, os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o país e põe cerco a Jerusalém (701 a.C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um pesado tributo aos assírios.


Desiludido com os reis e com a política, o profeta teria, então, começado a sonhar com um tempo novo, sem guerra nem armas, onde reinam a justiça, o direito e o "temor de Deus". Este texto pode ser dessa época.


O "menino" aqui referenciado, da descendência de David, pode também estar relacionado com o "Emanuel" de Is 7,14-17. Trata-se, em qualquer caso, de um texto que vai alimentar a esperança messiânica e que vai potenciar o sonho de um futuro novo, de paz e de felicidade para o Povo de Deus.

 

MENSAGEM

Para descrever a situação de opressão, de frustração, de desespero, de falta de perspectivas, de desconfiança em relação ao futuro em que a comunidade nacional estava mergulhada, o profeta fala de um "povo que andava nas trevas" e que habitava "nas sombras da morte". O panorama é sombrio e parece não haver saída, pois os reis de Judá já provaram ser incapazes de conduzir o seu Povo em direção à felicidade e à paz.


Mas, de repente, aparece uma "luz". Essa luz acende a esperança e provoca uma explosão de alegria. Para descrever essa alegria, o profeta utiliza duas imagens extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente dança feliz celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a caçada, os caçadores dividem a presa abundante.


Mas porquê essa alegria e essa felicidade? Porque o jugo da opressão que pesava sobre o Povo foi quebrado e a paz deixou de ser uma miragem para se tornar uma realidade. No quadro que representa a vitória da paz, vemos os símbolos da guerra (o pesado calçado dos guerreiros e as roupas ensanguentadas) a serem destruídos pelo fogo. Quem é que provocou a alegria do Povo, derrotou a opressão, venceu a guerra, restaurou a paz? O autor não o diz claramente; mas ninguém duvida que tudo isso é ação do Deus libertador.


Como foi que Deus instaurou essa nova ordem? Foi através de "um menino", enviado para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na justiça (as palavras "mishpat" e "zedaqa", utilizadas neste contexto, evocam uma sociedade onde as decisões dos tribunais fundamentam uma recta ordem social, onde os direitos dos pobres e dos oprimidos são respeitados e onde, enfim, há paz). O quádruplo nome desse "menino" evoca títulos de Deus ou qualidades divinas (o título "conselheiro maravilhoso" celebra a capacidade de conceber desígnios prodigiosos e é um atributo de Deus - cf. Is 25,1; 28,29; o título "Deus forte" é um nome do próprio Jahwéh - cf. Dt 10,17; Jr 32,18; Sl 24,8; o título "príncipe da paz" leva, também, a Jahwéh, aquele que é "a paz" - cf. Is 11,6-9; Mi 5,4; Zac 9,10; Sl 72,3.7). Quanto ao título "Pai eterno", é um título do rei - cf. 1 Sm 24,12 - e é um título dado ao faraó nas cartas de Tell el-Amarna). Fica, assim, claro que esse "menino" é um dom de Deus ao seu Povo e que, com ele, Deus residirá no meio do seu Povo, oferecendo-lhe cada dia a justiça, o direito, a paz sem fim.

 

ATUALIZAÇÃO

 

• É Jesus, o "menino de Belém", que dá sentido pleno a esta profecia messiânica de Isaías. Ele é "aquele que veio de Deus" para vencer as trevas e as sombras da morte que ocultavam a esperança e instaurar o mundo novo da justiça, da paz e da felicidade. O nascimento de Jesus que celebramos esta noite significa que, efetivamente, este "Reino" chegou e incarnou no meio dos homens. No entanto: Ele é hoje uma realidade instituída, viva, atuante na história humana? Porquê?

 

• Acolher Jesus, celebrar o seu nascimento, é aceitar esse projeto de justiça e de paz que Ele veio trazer aos homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o "Reino de Deus"? Como lidamos com a injustiça, a opressão, a guerra, a violência: com a indiferença de quem sente que não tem nada a ver com isso, ou com a inquietação de quem se sente responsável pela instauração do "Reino de Deus"?

 

• Em que ou em quem coloco a minha esperança e a minha segurança? Nos políticos que me prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que se desvaloriza e que não serve para comprar a paz do meu coração? Na situação sólida da minha empresa, que pode desfazer-se diante das próximas convulsões sociais ou durante a próxima crise energética? Isaías diz que só podemos confiar em Deus e nesse "menino" que Ele mandou ao nosso encontro, se quisermos encontrar a "luz" e a paz.

 

• Reparemos, ainda, no "jeito" de Deus: Ele não se serve da força e do poder para intervir na história e para mudar o mundo; mas é através de um "menino" - símbolo máximo da fragilidade e da dependência - que Deus propõe aos homens o seu projeto de salvação. Temos consciência de que é na simplicidade e na humildade que Deus age no mundo? E nós, seguimos os passos de Deus e respeitamos a sua lógica quando queremos propor algo aos nossos irmãos?

 

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1.5. Manasses: Manasses tinha doze anos quando começou a reinar e teve um longo reinado em Jerusalém (687-642). Foi um rei ímpio e reconstruiu os lugares de culto idolátrico que Ezequias tinha destruído. Ergueu altares a Baal, prostrou-se diante de todo o exército celeste e lhe prestou culto. Construiu altares para os ídolos no Templo de Javé e nos dois pátios do templo. Imolou aos ídolos seu próprio filho e foi extremamente violento, exercendo uma política de opressão em cima do povo (2Rs 21,1-9-16.19-22). Qualquer voz que se levantasse contra o rei seria calada com a morte. Mesmo assim, temos notícias de que alguns profetas tentaram advertir o rei, cobrando dele a fidelidade aos preceitos da Aliança (2Rs 21,10-15; 2Cr 33,18). Esses profetas mostraram-lhe o rosto de um Deus que abomina a idolatria e castiga-a.

 

O profeta Isaías (Is 34, 9) profetizou um dia da vingança, um ano de retribuição em prol da causa de Sião e o caos e o vazio que estenderão sobre ela (Is 34, 11). Diz repetindo o que Amós fala sobre Israel: "Eis que faço cair sobre Jerusalém sobre Judá uma desgraça tal, que fará retinir os dois ouvidos de todos que dela ouvirem falar. Passarei sobre Jerusalém o mesmo cordel que passei sobre Samaria. Limparei Jerusalém como se limpa um prato, que se vira para baixo depois de haver limpado." (2Rs 21,12-13). O autor de Lamentações insiste também nisso: "Javé tencionou destruir o muro da filha de Sião: estendeu o prumo, não retirou sua mão destruidora, enlutou baluarte e muro: juntos desmoronaram" (Lm 2,8).

 

Manassés continuou sendo um vassalo fiel da Assíria durante todo o seu reinado. De acordo com 2Cr 33, 11-13, ele foi levado certa vez à força, acorrentado, à presença do rei assírio, provavelmente por suspeita de deslealdade, mas depois foi tratado com brandura e reconduzido ao trono. Sua política representava uma ruptura total com a de Ezequias e uma volta à de Acás.

 

Foi o pior rei de Judá (2Rs 21, 16). Fala-se que em seu reinado se deu o martírio de Isaías. Em seu governo, refez a aliança com a Assíria, criando assim uma situação complicada (2Rs 21,1-18; 2Cr 33,120), que deve ter levado os reformistas a "esconder" no Templo os textos do Deuteronômio o "Livro da Lei".

 

1.6. Amo (687-642) continuou a linha de governo de seu pai (2Rs 21,20-21), mas depois de dois anos foi assassinado por seus próprios servos, que talvez pretendessem tomar-lhe o poder, valendo-se da insatisfação popular (2Rs 21,23), pois havia uma parte do povo que desejava mudanças no governo, porém defendia a fidelidade à dinastia davídica. Esse grupo era denominado "o povo da terra" (2Rs 21,24; 2Rs 11,20 e 14,21). Ele eliminou os rebeldes que haviam assassinado o rei e entronizou seu filho Josias, que ainda era menino.

 

Convém aqui dizer algumas palavras sobre o "povo da terra". Antes de mais nada, não são os "pobres da terra" de quem falam 2Rs 24,14; 25,12; Am 8,4; 1s 11,4; Jr 39,10 e Sf 2,3. Tampouco são os pobres da roça que, depois do exílio da Babilônia também passaram a ser chamados "povo da terra" numa perspectiva negativa. É que os judeus que voltaram da Babilônia entraram em conflito com os que haviam ficado na terra (Esd 4,4). Quem foi, então, o "povo da terra"?

 

Durante a dinastia de Davi, ele pode ser assim caracterizado: Era a população livre do interior de Judá, de plenos direitos civis, possuidora de grandes porções de terra. Provavelmente foi a esses latifundiários que Isaías e Miquéias dirigiram suas denúncias Is 5,8-10 e Mq 2,1-5.

 

Eram portadores da fé em YHWH, na perspectiva do templo de Jerusalém, que fez da religião de YHWH a religião oficial dos monarcas davídicos. Eram, portanto, defensores da dinastia de Davi e isso se explica em grande parte pelo fato de terem recebido do rei a doação de terras (1Sm 8,14; 22,6-7). Além do poder econômico, eles também tinham poder militar (2Rs 10,2) e eram opositores ao Reino do Norte que rompera com Judá.

 

Tinham vínculo estreito com os redatores da Obra Historiográfica Deuteronomista (Js, Jz,1-2Sm, 12Rs) e eram favoráveis a reformas conservadoras, como a centralização administrativa e cúltica em Jerusalém. Segundo Jr 52,25, eles eram os responsáveis pelo recrutamento dos soldados para o exército. Portanto, pessoas de confiança do rei e que recrutavam homens também fiéis ao rei. Aliás, nas críticas que lhes faz, Jeremias os coloca sempre em relação aos reis e demais pessoas da corte (Jr 34,19; 37,2; 44,21). Eram donos de escravos. Jeremias os criticou porque reduziram novamente à escravidão mulheres e homens hebreus que eles mesmos haviam libertado. Dessa forma descumpriam o que determinava Ex 21,1 e Dt 15,12

 

1.7- Josias: O sucessor de Manassés foi assassinado e o “povo da terra", um grupo politicamente forte com bases na zona rural, colocou no trono Josias, que tinha apenas oito anos quando começou a reinar e reinou 31 anos em Jerusalém (604-609). Seu reinado coincidiu com o declínio e morte do império assírio, que perdeu o controle de seus domínios. Assim, Judá se tornou uma nação praticamente livre. O jovem rei Josias tal como fizera Ezequias, aproveitando o vazio político enquanto egípcios e babilônios disputavam o controle do poder em nível internacional, promoveu também uma grande reforma tanto política quanto religiosa (2Rs 22-23).

 

O primeiro campo de reformas foi à política. Josias que tinha ares imperialistas expandiu seu território para o norte, anexando terras antes pertencentes a Israel (2Rs 23,15-20). Para isso, teve que reforçar o exército, aumentar a tributação. Não foi por acaso que concentrou o poder político e religioso em Jerusalém. Buscava-se a centralização do poder em um só rei, uma só capital, e voltava o ideal de um só reino, como no tempo de Davi por isso fez de Jerusalém o centro político e religioso de seu estado.

 

O segundo campo de reformas foi à religião. Esse era o ponto nevrálgico de todo o corpo social da nação. Por isso deu-se muita atenção à reforma religiosa. Todos os reis de Judá, a partir de Salomão, exceto o rei Ezequias, toleraram, permitiam e até mesmo promoveram os cultos cananeus. Mesmo os que tentaram combatê-los deixaram sempre algum resquício "nos lugares altos". O combate a baal não era apenas uma questão de escolha de religião. O baalismo colocava em perigo o projeto de sociedade igualitária e ética proposta pelo javismo. Só a fidelidade ao Senhor garantia a convivência fraterna numa sociedade livre, democrática e voltada para o bem comum. As exigências éticas da Aliança do Senhor eram a certeza da prosperidade, da justiça, do bem-estar de todo o povo. Por isso, a reforma religiosa era tão fundamental.

 

Josias empreendeu essa reforma interrompida pelo rei Ezequias, talvez por querer resgatar a dimensão ética do javismo. Mas também percebeu que lhe era conveniente promover a unificação do culto em torno de uma única divindade e começou pela reforma do Templo (2Rs 22,4-6), desfazendo todas as obras realizadas por Manassés em favor do baalismo (2Rs 21,3-8). Estendeu esta destruição também ao Reino do Norte, demolindo os altares rurais como o de Betel, outrora o santuário principal de Israel (2Rs 23,15) e demais templos das cidades da Samaria e ao norte da Galiléia (2Rs 23, 1-25; 2Cr 34, 6).

 

Durante as obras no Templo foi encontrado o "Livro da Lei do Senhor" (2Rs 22,8-10). A expressão "encontrado" quer sugerir o descaso pelos preceitos da Aliança, nos reinados de Manassés e Amon, intermediários a Ezequias e Josias.

 

O livro foi levado a Josias, que, ao escutar seu conteúdo, "rasgou as vestes", em sinal de temor (2Rs 22,11). Esse livro devia ser provavelmente, o Código da Aliança, que junto a outros preceitos de caráter cultual formavam o núcleo das "palavras do Senhor a Moisés no Sinai". Trata-se provavelmente do núcleo essencial do atual Deuteronômio ( Dt 12-26). Aí estão contidas leis elaboradas no Norte, leis que procuravam preservar a fidelidade ao projeto de sociedade justa e fraternas semelhante ao tempo tribal. Este livro foi trazido pelos nortistas que escaparam de Israel, quando Samaria foi destruída pela Assíria. Os fugitivos do Norte teriam levado para o sul suas tradições a respeito da Aliança do Sinal, tema que ficou um pouco esquecido em Judá. Esses escritos devem ter sofrido, então, acréscimos redacionais, em uma releitura deuteronomista, na corte de Josias.

 

O rei ordenou ao Sacerdote Helcias e mais quatro homens importantes do reino que fossem consultar a profetisa Hulda a respeito das palavras deste livro. Após a consulta Hulda mandou dizer ao rei, que Javé, Deus de Israel, estava para fazer cair a desgraça sobre Jerusalém e seus habitantes, porque o abandonaram e sacrificaram a outros deuses. Entretanto, porque o coração do rei se comoveu e ele se humilhou e se penitenciou diante de Javé, este o ouviu e ele morrerá em paz, sem ver todos os males que vai mandar sobre a cidade (2Rs 22, 11-20). Hulda mostrou assim ao povo o rosto de Deus justo, que quer ser cultuado como único Deus e também é cheio de misericórdia.

 

Josias mandou então reunir todos os anciãos de Judá e de Jerusalém e subiu ao Templo com todos os homens que as habitavam, os sacerdotes, profetas e todo o povo. Leu diante deles o conteúdo do livro da Aliança e renovou, com todo o povo, a promessa de pôr em prática as cláusulas da Aliança que nele estavam escritas.

 

Então o rei mandou retirar e destruir todos os ídolos e objetos de culto que estavam no Templo e no território tanto de Judá como também no Reino do Norte, demolindo o altar de Betel e demais templos das cidades da Samaria e ao Norte da Galileia (2Rs 23, 1-25; 2Cr 34, 6). Os diversos deuses e deusas até então adorados normalmente em Israel, assim como a diversidade de locais de culto, não são apagados da história, mas aparecem nesses livros como desvios, como "idolatria" e culto a "outros deuses", como pecado (2Rs 23,4-25). Destituiu os falsos sacerdotes.

 

A reforma foi um tanto, ambígua, beneficiando uns prejudicando outros. Os maiores beneficiados foram o pessoal de Jerusalém, especialmente a casa real, os comerciantes, bem como a classe sacerdotal sadoquital do templo e seus funcionários. A reforma possibilitava a esses grupos recolher maior tributo dos camponeses, ter maior controle das rotas comerciais e com a eliminação dos santuários "concorrentes" do interior era preciso incrementar as peregrinações a Jerusalém, com aumento das ofertas ao Templo. Os mais prejudicados foram especialmente três grupos: os sacerdotes levitas do interior, os camponeses, que eram a maioria da população espoliada de Judá, bem como os samaritanos e os antigos israelitas do Norte. As principais consequências para esses grupos foram: Perda de seus santuários, de sua liberdade religiosa; centralização, na capital, principalmente para celebração da Páscoa em função dos interesses da corte; assassinato dos sacerdotes que resistiram ao fechamento dos santuários e transferência para a capital, onde sofreram uma redução a sacerdotes de segunda categoria; por fim, a reforma não incluiu uma reorganização tribal dos camponeses e ao reforçar o exército e ao anexar territórios antes pertencentes ao Reino de Israel, ela teve ares imperialistas, implicando em mais impostos e serviço militar para os camponeses.

 

Na tentativa de conseguir a aceitação de todos e ganhar a favor dos interesses da corte e do templo, os prejudicados com a reforma, os escribas e teólogos da corte usaram vários elementos para justificar que a reforma era boa para o pais. O primeiro elemento usado foi dizer que a "descoberta" do "Livro da Lei do Senhor" (2Rs 22,8-11) encontrado durante a reforma do Templo tinha uma origem divina e que foi um grande achado. A profetisa Hulda foi consultada e não só confirmou a origem "divina" dos preceitos contidos no livro, mas também reiterou as graves consequências para o povo no caso do não cumprimento deles (2Rs 22,11-20).

 

No tocante às exigências cultuais, o livro propugnava a centralização do culto em um só santuário: Jerusalém. A ideia caiu como uma luva para a reforma desejada por Josias, pois já se consolidara a ideia de um só reino, sob o comando de um só rei, descendente de Davi. Agora vai se consolidar a ideia de uma só religião sob o comando de um só Templo, o verdadeiro santuário do Senhor em Jerusalém. O rei sentiu-se ainda mais "obrigado" a continuar sua reforma. O livro se tornou o braço ideológico justificador da reforma (2Rs 23,4-27).

 

Para que Josias pudesse cobrar mais tributos e impor o trabalho forçado, certamente outras teologias davídicas também foram incorporadas ao documento. Foi o caso da teologia que proclamava o rei como "filho de Deus" (2Sm 7,14), "pai e defensor dos pobres" (Sl 72,1-4). Essas teologias justificavam o "direito do rei" (1Sm 8,11-17), isto é, o "direito" que o monarca tinha de cobrar impostos, recrutar para o exército e exigir trabalho forçado.

 

Um outro elemento usado foi a elaboração da história de Israel, desde conquista da terra (Js) até Josias (2Rs 23) à luz dos princípios do Deuteronômio. Assim nasce a principal redação do conjunto de livros conhecidos como Obra Historiográfica Deuteronomista (OHD), que inclui os livros do Deuteronômio, Josué, Juízes, 1-2 Samuel e 1-2 Reis. A obra tinha especialmente três finalidades: legitimar a destruição dos santuários de Israel, legitimar a centralização do culto no templo de Jerusalém e legitimar a extensão do poder da dinastia davídica também sobre as tribos do Norte.

 

Esses são os elementos centrais da reforma de Josias, porém vale a pena mencionar que esses livros nos transmitem uma história em que as tribos de Israel aparecem agindo em conjunto, como se fossem um só povo, sob uma única liderança, que desde o começo as direcionava a adorar somente a Javé e a permanecerem fiéis a ele, obedientes à dinastia de Davi, que estabelecerá o culto exclusivo a Javé em Jerusalém. A instituição da monolatria (culto a um só deus, sem negar a existência de outros deuses; Dt 10,17), nesse período, foi um passo na direção do monoteísmo (culto a um deus considerado o único verdadeiro, o único existente; Is 44,6), que será estabelecido em Judá somente depois do exílio na Babilônia.

 

Ezequias e Josias, com a imposição do culto único a Javé, finalizam dois aspectos de um processo iniciado desde o estabelecimento de Javé como o Deus nacional de Judá: A identificação de Javé com o Deus do êxodo. Como a história dos hebreus escravos absorve as outras, também as diversas experiências de Deus envolvidas nessas lutas por libertação vão sendo progressivamente identificadas com o Deus Javé. Ezequias e Josias apresentam o Javé de Jerusalém como o Deus que vê a dor, que ouve o clamor, que conhece o sofrimento das pessoas oprimidas e empobrecidas, e que desce para libertá-las (Ex 15,2-3; 6,2-7; 3,13-15; 3,7-8a; 3,18; 7,16). Assim, hoje encontramos na Bíblia muitas confissões semelhantes a esta: "Os egípcios nos maltrataram e humilharam, impondo dura servidão sobre nós. Clamamos então a Javé, o Deus de nossos pais, e Javé ouviu nossa voz. Viu nossa aflição, nosso sofrimento e nossa opressão. E Javé nos tirou do Egito com mão forte e braço estendido" (Dt 26,6-8).

 

A identificação de Javé com Elohim, El, El Shadai, El Elion, e a transferência dos poderes e das "jurisdições" dessas divindades, e também de divindades que são proibidas por Ezequias e Josias, como Baal, Aserá e Astarte, para Javé. Assim, certamente, do mesmo modo como a história da libertação dos escravos tornou-se o paradigma, o modelo, englobando as histórias dos outros grupos, também Javé englobou as outras experiências de Deus e seus respectivos poderes.

 

Por ocupar parte importante e conhecida da Bíblia, a perspectiva monolátrica dessa reforma muitas vezes impede a compreensão da diversidade existente na origem de Israel e reforça atitudes fundamentalistas, condenatórias e até violentas, realizadas em nome de Deus, contra cultos não judaicos e não cristãos, e contra as pessoas que os seguem. Mas não é esse o espírito sagrado da Bíblia. A teologia dos reis, dos palácios, dos templos e do poder pode ser forte e envolvente, mas não é a única. O caráter sagrado da Bíblia vem da defesa da vida dos pobres e oprimidos, e do empenho por uma sociedade justa e solidária. Defesa e empenho que, apesar de todas as reformas, continuam presentes e podem ser encontrados nas entrelinhas ou por trás das palavras dos textos oficiais, como os do rei Josias. Pois o próprio rosto libertador de Deus, que Josias tenta usar para justificar seus projetos de dominação, é que denuncia e condena essas teologias e esse tipo de religião.

 

O livro do Deuteronômio é praticamente uma introdução a todo esse conjunto, pois a ele foi incorporado (Dt 20; 23,10-15) as leis de guerra, pois Josias precisava justificar a reconquista dos territórios do Norte e Dt 13 como uma espécie de Lei de Segurança Nacional contra pessoas, tribos e cidades que quisessem manter seus cultos, isto é, que não aceitavam a centralização do culto em Jerusalém. Contra estes, a lei era terrível. Os autores dessa obra ficaram conhecidos como "deuteronomistas".

 

O profeta Jeremias, natural da Anatot, ao norte de Jerusalém, era de família sacerdotal. Começou cedo sua carreira profética. Tinha cerca de 18 anos e iniciou as suas atividades justamente nesse período, sob o reinado de Josias. Jeremias aprovou a reforma do rei (Jr 11,1-6) e reprovou os que a ela não aderiram e continuaram insensíveis como no tempo de Manassés (Jr 11,7-13). Quis assim reforçar o rosto de Javé como Deus da Aliança.

 

Jeremias foi o profeta do julgamento de Javé. Sua missão foi a de repetir frequentemente a Judá que ela estava condenada e está condenação era o julgamento justo de Javé pela violação da aliança por parte de Judá. Combateu a idolatria e o derramamento de sangue que Manassés havia provocado.

 

Jeremias mostrou assim o rosto de Deus justo juiz, que constata, percorrendo as ruas de Jerusalém, a falsidade (Jr 5,1-2), a opressão dos grandes sobre os pobres (Jr 5,5), a idolatria (Jr 5,7.11.12) e como consequência o justo castigo de Javé (Jr 5,6.11.14). Este quer a conversão de seu povo (Jr 6, 8.16).

 

Sobre Josias, Jeremias falou, ao se dirigir a seu filho Joaquim: "Teu pai praticou o direito e a justiça! E corria tudo bem para ele! Ele julgou a causa do pobre e do indigente. Então tudo corria bem. Não é isto conhecer-me?". Isto o profeta pôs nos lábios de Javé (Jr 22, 15-16)

 

Sofonias foi outro que profetizou nos tempos de Josias (Sf 1,1), provavelmente durante sua menoridade, entre 640 e 630. Ele condenou, como também já dissemos, toda corrupção e mostrou a seriedade do julgamento de Javé, que ele salientou como o Deus dos pobres, dos quais vem a esperança (Sf 3,9-20). Vejamos os vv. 12 e 13 deste texto: "Deixarei em teu seio um povo pobre e fraco e procurará refúgio no nome de Javé, o Resto de Israel. Eles não praticarão mais a iniquidade, não dirão mentiras, não se encontrará em sua boca língua dolosa". Este livro termina com um salmo de alegria e júbilo em Sião (Sf. 14-20).

 

Historicamente, de fato, o projeto de Josias não foi muito longe. Em 609 a.C. Josias será morto pelo faraó (2Rs 23,29) e nada mais sabemos sobre Josias, mas podemos, baseados no que a Bíblia nos diz, tirar algumas conclusões. Como praticamente Judá estava independente da Assíria, Josias deve ter fortalecido seu exército, sobretudo em suas grandes fronteiras. Parece que a reforma de Josias não produziu total transformação em Judá, conforme lemos em 2Rs 23, 6.

 

Com a morte prematura de Josias (2Rs 23,29s) no ano de 609 a.C., combatendo contra Necao na passagem estreita de Meguido, morreram também as esperanças do povo em um tempo de paz e prosperidade. A base da pregação religiosa da reforma de Josias era a ideia deuteronomista de que Deus abençoaria quem respeitasse os preceitos da Aliança. A morte súbita daquele que mais defendeu essa idéia foi como um balde de água fria no povo, que apenas começava a ver com simpatia a necessidade do cumprimento da Lei do Senhor. Este foi o início do fim do reino de Judá.

 

Com a morte de Josias, seu filho Joacaz assumiu o trono em 609 a.C. Necao conseguiu conquistar a Síria e se considerou senhor também de Judá. Aprisionou Joacaz, que estava apenas três meses no poder, e o exilou no Egito, onde terminou seus dias (Jr 20,10-12). Constitui rei a Eliaquim, irmão de Joacaz, mudando-lhe o nome para Joaquim (2Rs 23,36-24,7). Este reinou de 609 a 598 a.C.

 

O rei Joaquim tentou anular os efeitos religiosos da reforma de seu pai. Jeremias por sua vez prega a destruição do Templo e por isso foi açoitado e proibido de entrar no Templo. Para o povo Jeremias era um blasfemo, para os políticos um derrotista. As palavras dele começaram a realizar-se quando Nabucodonosor derrotou o Egito. Baruc, secretário de Jeremias, então escreve tudo o que Ele tinha profetizado e lê diante das autoridades e do povo (Jr 36). O rei mandou prender Jeremias e Baruc, mas este conseguiram fugir. Neste ínterim Nabucodonosor torna-se rei da Babilônia e começam as suas conquistas aumentando seu domínio, avançando sobre as nações da região. Nabucodonosor, rei dos babilônios, realizou sua primeira expedição contra Judá, em 604 a.C. Joaquim também teve de lhe pagar tributos, por três anos. Tentou rebelar-se e sofreu nova investida babilônica (2Rs 24,1-7).

 

Com a morte de Joaquim, subiu ao trono seu filho Joaquin (Jeconias). Este ficou somente três meses no poder, pois os babilônios não toleraram seu governo, descrito como "mau" pelo 2º livro dos Reis. Jeremias também proferiu um oráculo contra ele (Jr 22,20-30). Nabucodonosor sitiou Jerusalém em março de 597 a.C. Aprisionou o rei e a corte, os dignitários e notáveis e os deportou para Babilônia.

 

Levou também os tesouros do Templo e do palácio real. Deixou na terra somente a população mais pobre. Esta foi a primeira deportação babilônica sofrida por Judá. O rei Joaquin viveu trinta e sete anos na Babilônia, num cativeiro bastante suave, sendo tratado com regalias pelo rei até sua morte (2Rs 25,2730).

 

No lugar de Joaquin, Nabucodonosor pôs no trono de Judá Matanias, irmão de Josias e tio de Joaquin. Mudou-lhe o nome para Sedecias. Este reinou de 598 a 587/6, mas tampouco fez um bom governo (2Rs 24,17-25,21; 2Cr 36,11-16). Foi o último rei a ocupar o trono de Judá. O país continuou sendo vassalo da Babilônia. Poderia salvar suas instituições, se não fosse a obstinação de Sedecias em rebelar-se contra o império babilônico.

 

Jeremias denunciava desde o tempo de Joaquim a excessiva confiança que o rei e o povo punham nas instituições, sobretudo no Templo. Ele não compartilhava da propaganda da época, segundo a qual a presença do Templo do Senhor na cidade já era urna garantia incontestável da proteção de Deus. Sua veemente denúncia da transformação do Templo num fetiche, que escondia a violência, a injustiça, o roubo e a idolatria, encontra eco na atitude de Jesus, sete séculos mais tarde (Jr 7,1-15; Mt 21,13). Mais urna vez, as exigências éticas da Aliança ficaram esquecidas, mantendo-se as aparências de uma religiosidade baseada em ritos externos. Era a religião, simbolizada no Templo, servindo de carapuça para esconder os verdadeiros interesses do Estado: o poder, o controle, o domínio, o enriquecimento iníquo às custas do povo.

 

Sedecias não deu ouvidos às críticas de Jeremias. Ele pediu ajuda ao Egito para fazer frente à Babilônia, contrariando os conselhos de Jeremias (Jr 37,5.7). O profeta pregava a submissão ao rei da Babilônia como única forma de sobrevivência da nação. Naquele contexto rebelar-se seria um suicídio. Os babilônios sitiaram Jerusalém. A ajuda do Egito foi insuficiente. O cerco continuou e a população de Jerusalém começou a viver em condições precárias de alimentação e água (2Rs 25,3). Vencidos pela fome e sede, o rei, sua corte, o exército e os habitantes tentaram fugir através de uma passagem que abriram na muralha da cidade, abandonando o povo. Mas os babilônios os perseguiram e aprisionaram. Os filhos de Sedecias foram degolados na sua presença, e ele teve seus olhos perfurados, sendo depois levado para o cativeiro na Babilônia (2Rs 25,5-7).

 

Nabucodonosor levou toda a riqueza que encontrou na cidade, deportou parte da população e matou os habitantes e funcionários que ainda se encontravam lá. A cidade ficou deserta (2Rs 25,8-21). Como aconteceu com o reino do Norte, também para o do Sul a aventura monárquica terminou na desilusão, na destruição e na morte. Perderam tudo o que pensavam que poderia dar-lhes segurança: a terra, a cidade, o rei e o Templo. O que restou?

 

Veremos na próxima aula o que aconteceu no exílio da Babilônia e as lições que o povo tirou dessa amarga e dramática experiência.

 

3. OS PROFETAS DO REINO DO SUL

Desde quando começou a monarquia com Saul, apareceram também os profetas como reação aos desmandos da monarquia. Inicialmente eles se relacionavam mais com os reis, convivendo com eles no palácio. Mas nem por isso podem ser considerados "profetas da corte", quase como funcionários do Estado. A começar por Samuel, no tempo de Saul e Davi, passando por Natã e Gad, com Davi e depois Aias de Silo com Salomão e Jeroboão I, os profetas sempre exerceram um papel crítico perante os monarcas. Durante a monarquia dividida, os profetas floresceram mais no Norte, onde as tradições javistas do tribalismo foram mais conservadas e também onde as realidades política, social e religiosa exigiam intervenções severas desses "homens de Deus". Então, os profetas foram tomando distância cada vez maior do rei e do palácio e se identificando mais com o povo, com os pobres, os excluídos do sistema. Assim fizeram.

 

No Sul, durante o reinado de Salomão, e depois dele, não se ouve mais falar de profetas, até a segunda metade do século VIII a.C., quando surgiu o eloquente Isaías, no tempo do rei Ozias (740) e seus sucessores. Talvez esse "silêncio" no Sul se deva ao fato de que a teologia davídica, elaborada na corte, e a relativa paz em que vivia o reino de Judá, durante pouco mais de cem anos, inibiam o surgimento desses grandes críticos da sociedade, os profetas.

 

Os profetas eram os verdadeiros arautos do javismo, defensores da religião no seu sentido mais profundo. Eles eram uma instância crítica junto à monarquia, uma forma de "consciência popular" diante dos desmandos dos monarcas. Não foi em vão que eles denunciaram o culto externo desligado da prática da justiça. Os reis de Judá encontraram a crítica e a oposição frequentes de profetas da envergadura de Isaías e Jeremias, que exerceram seu ministério profético por três ou quatro décadas, vivendo as situações mais adversas. Isso exigiu deles uma constante fidelidade ao momento em que viviam e ao mesmo tempo à Palavra de Deus, da qual eram porta-vozes. Deviam atualizar a mensagem às novas situações, sem perder sua fidelidade ao passado. Isso não era uma tarefa fácil. A importância desses profetas mostrou-se também pela extensão dos livros que recolheram suas palavras: Isaías tem 66 capítulos[1] e Jeremias.

 

4.1 Isaías. Foi Isaías quem rompeu o silêncio, de mais de um século, na profecia de Judá. Ainda jovem, recebeu a vocação profética um pouco antes da morte de Ozias, em 740 (Is 6,1-8). Exerceu o ministério profético por cerca de 40 anos, até o ano 700 aproximadamente. Sua pregação reflete a mentalidade de quem vive na cidade (Jerusalém) e conhece bastante a vida política, a corte e as atividades do Templo. Demonstra também muita sensibilidade pelos marginalizados, pelos excluídos daquela sociedade: as viúvas, os órfãos, os sem-teto (Is 1, l7.23; 9,16; 10,2). Além disso, demonstra um conhecimento profundo da situação a sua volta, no cenário internacional.

 

Suas intervenções, suas palavras, suas ações simbólicas eram tão densas de sentido que não se esgotaram no seu tempo. Alcançaram um significado para além do próprio momento de Isaías. Assim foi interpretada a profecia do nascimento de um libertador que ele chamou de Emanuel (= Deus conosco), por exemplo (Is 7,14); do "rebento de Jessé (Is 11, ls) e da cegueira e surdez do povo (Is 29,18-19), entre outras.

 

No campo político, suas intervenções mais significativas foram duas: a primeira no tempo de Acaz (cerca de 732) e a segunda no tempo de Ezequias (cerca de 700). Acaz havia sido atacado por Facéias, rei de Israel, unido a Rason, rei de Damasco. Esses dois reis queriam forçar Judá a entrar numa coalizão militar contra a Assíria. Essa batalha ficou conhecida como a guerra siro-efraimita (2Rs 16,5-6). Isaías propôs ao rei neutralidade e confiança nos planos do Senhor' que, mais tarde, estaria afastando a ameaça daqueles dois "tições de lenha fumegantes" (Is 7,3-9). Mas Acaz preferiu contar com uma segurança mais palpável: pediu socorro a Teglat-Falasar, rei da Assíria (745-727). O socorro veio logo, mas o preço pago foi caro. Judá acabou se tornando um vassalo da Assíria (Is 8,5-10; 2Rs 16,79.17-18).

 

No tempo de Ezequias aconteceu o cerco de Jerusalém pelos assírios, então comandados pelo rei Senaquerib (704-681). Dessa vez Isaías parecia desinteressado na questão. Mas sua imparcialidade foi sacudida diante das insolências proferidas pelo copeiro-mor de Senaquerib, que desafiava a confiança do rei e da população no Senhor para salvar a cidade. Na visão do invasor, o Senhor não poderia salvar Jerusalém, assim como os deuses do Egito e de outras cidades-estados da região não salvaram seus habitantes do jugo assírio (2Rs 18,33-35; 19,10-13). Isaías não pôde calar-se diante dessa afronta ao que ele considerava a atitude mais necessária do povo, que era a confiança no Senhor. Nas palavras do copeiro-mor, o Senhor não passaria de um "idolozinho" a mais, entre tantos que não tiveram força para evitar a vitória assíria. Procurado pelos funcionários do rei, Isaías, mais uma vez, vaticinou a derrocada do inimigo: a cidade não seria invadida (2Rs 19,6.21-28.32-34). De fato, o exército de Senaquerib suspendeu imediatamente o cerco e voltou a Nínive, sua capital.

 

Nunca se soube ao certo o que teria provocado a retirada repentina do exército assírio. Mas isso foi interpretado como uma intervenção miraculosa de Deus (2Rs 19,35; Is 37,33-39). Vendo, porém, a euforia do povo que festejava a retirada do inimigo, mas não reconhecia nisso um apelo do Senhor à conversão, Isaías condenou, sem hesitar, essa atitude. Para ele, aquela euforia toda era sinônimo de excessiva confiança do povo em si mesmo, como se o Senhor estivesse, de fato, satisfeito com o que acontecia na cidade, como se tudo estivesse bem e o povo não precisasse se converter. Por isso Isaías proferiu contra ele o "oráculo sobre o vale da Visão", decretando a futura destruição da cidade (Is 22,114).

 

Isaías foi o primeiro profeta de Judá cujas palavras foram registradas por escrito na Bíblia, em um livro que leva seu nome. Atualmente esse livro tem 66 capítulos, mas somente os primeiros 39, excetuando-se os 24-27 e 34-35, contêm as palavras do profeta do século VIII, que viveu e atuou no reino do Sul. Os demais capítulos, inseridos posteriormente na sua obra, demonstram que Isaías "fez escola", isto é, sua mensagem encontrou eco na pregação de outros profetas que lhe seguiram os passos, mesmo após sua morte.[2]

 

4.3 Miquéias e Sofonias: Outros profetas desse período, cujos livros são menores, mas não menos contundentes, criticaram a situação do país, exortando-o à conversão. Todos eles, no fundo, propunham uma profunda mudança no estilo de vida que aproximasse mais a sociedade judaica daquele ideal delineado na Aliança com o Senhor. Assim, temos Miquéias e Sofonias como porta-vozes da mensagem divina naqueles contextos bastante complexos nos quais viveu o reino de Judá.

 

Miquéias, analogamente a Amós, do Norte, denunciava os abusos sociais, sobretudo contra os camponeses (Mq 2,1-5) do sul. Anunciava a superação do reino de Davi, já idealizado, pela esperança de um novo rei Messias (Mq 4,1-5; 5,1).

 

Sofonias defendia o lado do povo simples, dos pobres, daqueles que viviam com retidão e justiça, contra uma sociedade que privilegiava os ricos e poderosos. Proclamava o "Dia do Senhor" em Judá como dia de manifestação do seu poder contra a infidelidade do povo idólatra, dos chefes violentos, dos comerciantes fraudulentos e dos incrédulos. Fazia um apelo à conversão, proferindo oráculos contra as nações e contra Jerusalém. Fez uma promessa de salvação: "rejubila, filha de Sião, solta gritos de alegria, Israel! O Senhor revogou a tua sentença, eliminou o teu inimigo. O Senhor, rei de Israel, está no meio de ti" (Sf 3,14-15).

 

LEITURA I – Sof 2, 3; 3, 12-13

 

Leitura da Profecia de Sofonias

Procurai o Senhor, vós todos os humildes da terra, que obedeceis aos seus mandamentos. Procurai a justiça, procurai a humildade; talvez encontreis protecção no dia da ira do Senhor. Só deixarei ficar no meio de ti um povo pobre e humilde, que buscará refúgio no nome do Senhor. O resto de Israel não voltará a cometer injustiças, não tornará a dizer mentiras,nem mais se encontrará na sua boca uma língua enganadora. Por isso, terão pastagem e repouso, sem ninguém que os perturbe.

 

AMBIENTE

O profeta Sofonias pregou em Jerusalém na época do rei Josias (Josias reinou entre 639 e 609 a.C.). Os comentadores costumam situar a profecia de Sofonias durante o tempo de menoridade de Josias (que subiu ao trono aos oito anos); durante esse tempo, foi um Conselho real que presidiu aos destinos de Judá.Trata-s e de uma época difícil para o Povo de Deus. Judá está – há cerca de um século – submetida aos assírios (desde que Acaz pediu ajuda a Tiglat-Pileser III contra Damasco e a Samaria, no ano 734 a.C.); a influência estrangeira sente-se em todos os degraus da vida nacional e a nação sofre as consequências da invasão de costumes estranhos e de práticas pagãs. Por outro lado, o país acaba de sair do reinado do ímpio Manassés (698-643 a.C.), que reconstruiu os lugares de culto aos deuses estrangeiros, levantou altares a Baal, ofereceu o próprio filho em holocausto, dedicou-se à adivinhação e à magia, colocou no Templo de Jerusalém a imagem de Astarte (cf. 2 Re 21,3-9).


Aos pecados contra Jahwéh e contra a aliança, somam-se as injustiças que, todos os dias, atingem os mais pobres e desprotegidos. Os príncipes e ministros abusam da sua autoridade e cometem arbitrariedades, os juízes são corruptos e os comerciantes especulam com a miséria…


Sofonias está consciente de que Jahwéh não pode continuar a pactuar com o pecado do seu Povo; vai chegar o dia do Senhor, isto é, o dia da intervenção de Deus em que os maus serão castigados e a injustiça será banida da terra. Da ira do Senhor escaparão, contudo, os humildes e os pobres, os que se mantiveram fiéis à aliança. O fim da pregação de Sofonias não é, contudo, anunciar o castigo; mas é provocar a conversão, passo fundamental para chegar à salvação.

 

MENSAGEM

O nosso texto começa com um apelo à conversão (cf. Sof 2,3). Para Sofonias, “conversão” significa, objectivamente, justiça e humildade. Os “humildes”, no contexto de Sofonias, são aqueles se entregam confiadamente nas mãos de Deus, que seguem os caminhos de Deus, que aceitam as propostas de Deus e que não se colocam contra Ele; são, também, aqueles que praticam a justiça para com os irmãos, que respeitam os direitos dos mais débeis, que não cometem arbitrariedades… Equivalem aos “pobres” das bem-aventuranças: não são uma categoria sociológica, mas aqueles que estão numa certa atitude espiritual de abertura a Deus e aos irmãos. No lado oposto estão os orgulhosos e auto-suficientes, que ignoram as propostas de Deus, exploram, são injustos, corruptos e arbitrários. Só uma verdadeira conversão à humildade permitirá encontrar protecção no “dia da ira do Senhor” que se aproxima e que vai atingir os orgulhosos, os prepotentes e os injustos.


Em seguida, Sofonias apresenta o resultado do “dia da ira do Senhor”: o surgimento do “resto de Israel” (cf. Sof 3,12-13). Os orgulhosos, arrogantes e prepotentes serão banidos do meio do Povo de Deus (cf. Sof 3,11); ficará um “resto” humilde e pobre”, que se entregará nas mãos do Senhor, não cometerá iniquidades nem dirá mentiras e será uma espécie de viveiro de reflorescimento da nação.


A partir daqui, ser “pobre” não é uma categoria sociológica, mas uma atitude espiritual de quem tem o coração aberto às propostas de Deus e é justo na relação com os outros. Na boa tradição bíblica (que está presente neste texto), os pobres são, portanto, pessoas pacíficas, humildes, piedosas, simples, que confiam em Deus, que obedecem às suas propostas e que são justos e solidários com os irmãos.

 

Leitura da Profecia de Sofonias  3,14-18a

AMBIENTE

O profeta Sofonias prega em Jerusalém, durante a primeira fase do reinado de Josias (séc. VII a.C.). Nas décadas anteriores, o rei ímpio Manassés abriu o país aos costumes dos povos vizinhos, erigiu altares aos deuses estrangeiros (chegando a colocar no templo de Jerusalém a imagem da deusa Astarte), dedicou-se à adivinhação e à magia e multiplicou as injustiças, sobretudo contra os mais pobres e mais débeis. Entretanto, subiu ao trono o rei Josias, que procurou alterar este estado de coisas e promover uma verdadeira reforma religiosa; mas, na época em que Sofonias exerce o seu ministério profético, os erros de Manassés ainda se fazem sentir.


Neste contexto, Sofonias ataca a idolatria cultual, as injustiças, o materialismo, a despreocupação religiosa, os abusos da autoridade: todo este quadro configura uma situação de grave infidelidade à “aliança”; Deus não irá, diz o profeta, pactuar com esta situação.


No entanto, a intenção de Sofonias não é somente anunciar o castigo… A sua mensagem é, antes de mais, um apelo à conversão, primeiro passo para a salvação. O que o profeta pede ao seu Povo é que se volte de novo para Jahwéh, assuma as suas responsabilidades para com Deus e viva de acordo com os compromissos assumidos no âmbito da “aliança”. O texto que vamos ver, no entanto, está incluído nas “promessas de salvação”: aí, o profeta traça o quadro desse tempo novo de alegria e de felicidade, que há-de suceder-se à conversão de Judá.

MENSAGEM

O texto que hoje nos é proposto é um convite à alegria, porque foi revogada a sentença que condenava Judá. O amor de Deus pelo seu Povo venceu. A partir de agora, Deus residirá no meio do seu Povo; e essa nova comunhão entre Jahwéh e Judá é uma garantia de segurança, de felicidade e de vida em plenitude. Mais: o amor de Deus – esse amor que nada consegue desmentir nem apagar – vai renovar o coração do Povo e fazer com que Judá volte para os caminhos da “aliança”; e o próprio Deus Se alegrará com essa transformação.

ATUALIZAÇÃO

A reflexão e atualização da Palavra podem fazer-se à volta dos seguintes pontos:

  • Nunca é demais sublinhar a essência de Deus: o amor. Neste texto, o amor de Deus não só introduz na relação com o Povo um dinamismo de perdão; mas esse amor faz ainda mais: provoca a própria conversão do Povo. Esta consciência de que Deus nos ama, muito para além das nossas falhas e fraquezas, e que o seu amor nos transforma, nos torna menos egoístas e mais humanos, é uma das mais belas constatações que os crentes podem fazer.

 

  • O que renova o mundo e o transforma não é o medo, mas o amor. O medo provoca insegurança, pessimismo, angústia, sofrimento, bloqueamento; o amor é que faz crescer, é que cria dinamismos de superação, é que nos torna mais humanos, é que nos faz confiar, é que potencia o encontro e a comunhão… Devemos ter isto bem presente quando formos chamados a anunciar o Evangelho e a proclamar a proposta de salvação que o nosso Deus faz aos homens.

 

  • Também é necessário sublinhar a constatação de que Deus não desiste de vir ao nosso encontro e de residir no meio de nós. Ele tem uma proposta de salvação que quer, a todo o custo, apresentar-nos. Não é uma constatação consoladora, frente às dificuldades, às angústias, às inseguranças que dia a dia preenchem a nossa existência?

 

  • Finalmente, convém notar o apelo à alegria… A constatação de que Deus nos ama e que reside no meio de nós com uma proposta de salvação e de felicidade para todos os que O acolhem não pode provocar senão uma imensa alegria no coração dos crentes. Damos sempre testemunho dessa alegria? Será que as nossas comunidades são espaços onde se nota a alegria pelo amor e pela presença de Deus?

 

 

4.4 Hulda. A voz das mulheres na profecia: Não podemos esquecer, nesse período, a significativa atuação da profetisa Hulda. Ela interveio no tempo de Josias, para confirmar a "autenticidade" das palavras contidas no Livro da Lei encontrado no Templo e dar seu parecer favorável à reforma religiosa pretendida pelo rei. As palavras claras e contundentes de Hulda (2Rs 22,15-20) foram acolhidas pelo rei como a expressão da própria vontade de Deus, pois, como profetisa, foi procurada pelos funcionários do rei para "consultar ao Senhor" (2Rs 22,13). Hulda é importante pelo fato de ser a única mulher citada na Bíblia que exerceu o ministério profético, cujas palavras foram registradas por escrito, num livro que não levou seu nome.

 

4.5 Jeremias: Jeremias também deixou marcas profundas na história do reino do Sul, onde atuou também por cerca de 40 anos. De tantos profetas que previram a ruína do povo por sua surdez aos "oráculos do Senhor", Jeremias foi talvez o único que teve a infelicidade de ver acontecer a desgraça que anunciara. Viveu os momentos mais eufóricos da reforma religiosa promovida por Josias e também os momentos mais dramáticos da queda vertiginosa de seu povo, após amor- te do reformador, até à destruição de Jerusalém e às deportações para a Babilônia.

 

Jeremias, o escolhido e enviado Jeremias recebeu a vocação profética ainda bastante jovem, como Isaías (Jr 1,6). Jeremias quis furtar-se à missão que lhe reservava o Senhor, certamente por intuir a responsabilidade que ela acarretava, para a qual não se sentia preparado. Mas Deus mesmo colocou-se como garantia da eficácia de suas palavras, antecipando seu socorro diante dos que, com certeza, iriam perseguir o profeta por causa de sua palavra (Jr 1,8. l7-19).

 

Não é fácil resumir a vida e a atuação desse profeta tão marcado pelos revezes da história. Suas atitudes vão de um extremo a outro, como já se delineava nas palavras de Deus no relato de sua vocação: "Vê! Eu te constituo, neste dia, sobre as nações e sobre os reinos, para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar" (Jr 1.10).

 

Jeremias é o profeta das contradições. Embora tivesse reconhecido que o Senhor o conhecia e o consagrara antes de ser concebido no ventre materno (Jr 1,5), chegou até a amaldiçoar o dia em que nasceu (Jr 20,14-18), num momento de crise interior. E enquanto todos ansiavam por uma intervenção do Senhor para salvar o seu povo das mãos de Nabucodonosor, rei da Babilônia, Jeremias apregoava a rendição ao dominador estrangeiro, sendo considerado traidor da pátria (Jr 37,13).

 

Isso não significa que Jeremias estivesse de acordo com a dominação da Babilônia, mas era a única forma de o povo não ser aniquilado e assim poder manter a sua identidade e sobrevivência, na certeza e confiança de que um dia também esse poder cairia. E, então, o resto de Israel poderia reconstruir a sua história.

 

No início de seu ministério profético, Jeremias apoiou as reformas de Josias (640-609), assumindo o discurso deuteronomista que representava o espírito das reformas (Jr 11,2-14). Após a morte de Josias, ele viu crescer, até se desviar, a valorização dos preceitos da Aliança referentes ao culto e ao Templo. A reforma de Josias propunha uma valorização dos preceitos da Lei, mas o povo levou isso longe demais, supervalorizando a parte ritual e omitindo a parte ética. No tempo de Joaquim (609-598), o Templo já se tomara um fetiche para o povo de Judá. Como já vimos antes, Jeremias condenou veementemente essa perversão do sentido do Templo. Os textos de Jr7, 1-8,3 e 11,15-17 conservam as críticas do profeta à instituição do Templo e ao culto desacompanhados da prática da justiça.

 

A acusação de que o Templo se transformara num "covil de ladrões" (Jr 7,11) é a expressão mais forte da utilização de uma instituição que gozava do respaldo de Deus para esconder a prática da corrupção, contrariando a vontade do Deus que cultuavam no Templo. O "covil" é o esconderijo que serve de refúgio, de abrigo e de proteção para os ladrões. É o lugar onde eles se sentem à vontade, em casa. Por conseguinte, aqueles que frequentam esse "covil" identificam-se com "ladrões". Jeremias não teria outra expressão melhor para traçar o perfil dos dirigentes da nação, sobretudo naquele tempo em que o rei Joaquim havia aumentado os impostos sobre o povo para pagar o tributo exigido pelo faraó: nada menos que 200 talentos em ouro e prata (ao todo 6.840 kg!).

 

A denúncia corajosa de Jeremias custou-lhe a liberdade e quase a própria vida (Jr 18,18; 26,8- 9.11.16 etc.). Tal coragem repetiu-se no gesto de Jesus, ao expulsar os vendilhões do Templo (Lc 19,4546).

 

Encontramos um paralelo dessa situação no regime do Padroado brasileiro, semelhante ao das outras colônias latino-americanas. A instituição religiosa nas mãos do Estado colonizador servia de "capa". Escondia a prática do roubo, do saque do ouro e da prata dos templos e das minas. Encobria a exploração destruidora dos produtos naturais e da produção agrícola e industrial dos povos conquistados. Mas esses povos não eram considerados povos estranhos, senão "súditos" de Sua Alteza, isto é, cidadãos do reino de Portugal ou da Espanha. Daí a maior perversidade do sistema: os colonizadores exploravam os povos dos quais eles pretendiam ser irmãos, pela mesma fé e pelo mesmo batismo, pela mesma religião que os submetia todos a um só Deus.

 

4.6 Naum e Habacuc: Naum dava asas ao sentimento de alegria do povo ao ver a derrota do seu opressor, a Assíria, cuja capital, Nínive, havia sido tornada pelos babilônios em 612 a.C. Apesar de pouco ortodoxo, porque parece dizer "bem feito" a quem está pagando pelo mal que fez, o profeta ensina que todo opressor terá o seu dia e renova a esperança do povo não com sentimento de vingança, mas como certeza do juízo de Deus sobre a história.

 

Habacuc, entretanto, um pouco mais tarde que Naum, vendo as intenções conquistadoras dos babilônios, que "puniram" os assírios, lamenta profundamente o crescimento da violência, da guerra, que só traz miséria e sofrimento para o povo. Por mais que ficassem satisfeitos pela vingança contra o opressor, seu desejo mais profundo era a paz e a concórdia entre os povos.

 

5. Os escritos da época do reino de Judá

Já falamos dos profetas cujos escritos trazem seus nomes: Isaías, Miquéias, Sofonias, Jeremias, Naum e Habacuc. Podemos situar a redação de seus livros no contexto do reino de Judá, entre os anos 740 e 587 a.C., exceto os capítulos 24-27,34-35 e 40-66 do livro de Isaías. Como já vimos, esses capítulos foram acrescentados posteriormente. É necessário, porém, esclarecer que esses profetas não exerceram atividade literária diretamente. Tampouco seus livros foram redigidos no decurso da vida do profeta. O único caso conhecido na Bíblia da atividade literária contemporânea ao próprio profeta é o de Jeremias. Em Jr 36,2-4.28.32 o profeta aparece ditando ao seu secretário Baruc as palavras que o Senhor lhe mandara comunicar ao rei Joaquim. E em 29,1 temos o texto de uma carta do profeta aos exilados. Mesmo assim, de- vemos levar em consideração que os livros proféticos são fruto das suas pregações e foram escritos provavelmente após sua atividade e até mesmo após sua morte. Os oráculos proféticos eram, de modo geral, reunidos primeiro em coletâneas. Depois surgiram os textos biográficos e, por fim, a composição do livro segundo uma determinada organização.

 

5.1 Primeiro Isaías: 1-39: A primeira parte do livro de Isaías (proto-Isaías) não é obra apenas de um autor. São normalmente atribuídos a Isaías os oráculos sobre Judá e Jerusalém (Is 1-12), parcialmente os oráculos sobre as nações (ls 13-23) e no seu conjunto os "ais" contra Israel e Judá (Is 28-33). Os oráculos conhecidos como "O grande Apocalipse" (Is 24-27) e o "Pequeno Apocalipse" (Is 34-35) são considerados pós-exílicos, bem como o apêndice histórico (Is 36) tirado de 2Rs 18,13-20,19. Esse acréscimo revela a preocupação de confirmar historicamente os oráculos anunciados pelo profeta.

 

5.2 Miquéias: Diversas mãos colaboraram até a redação final do livro de Miquéias. São atribuídos a esse profeta do século VIII, os capítulos 1-3 e 6,1-7,6. Neles aparecem oráculos de ameaça e condenação contra Israel e seus chefes exploradores como: "Aqueles que comeram a carne de meu povo, arrancaram-lhe a pele. (Mq 3,1-3). Outros textos como 2,12-13 e 7,8-20 são situados no pós-exílio, na época do retomo à terra. Enquanto os capítulos 4-5 são de difícil localização e trazem promessas da salvação para Sião.

 

5.3 Sofonias: O livro é pequeno. Depois da apresentação do profeta (Sf 1,1), fala do Dia do Senhor como "um dia de ira" contra Judá e Jerusalém (Sf 1,2-2,3), contra as nações vizinhas (Sf 2,4-15), contra Jerusalém, a cidade rebelde (Sf 3,1-8). Mas o profeta abre também o espaço para uma promessa de salvação: "...darei aos povos lábios puros, para que todos possam invocar o nome do Senhor..." (Sf3,9). O livro passou por diversas mãos, em períodos diferentes, até sua redação final.

 

5.4 Naum. O livro de Naum apresenta no prelúdio um salmo sobre a ira do Senhor (Na 1,2-8) e sentenças proféticas contra Judá e Nínive (Na 1,9-2,1). Depois anuncia a destruição de Nínive, capital da Assíria, que arrasou com o reino de Israel, Norte (Na 2,2-3,19).

 

5.5 Habacuc. O livro apresenta duas partes. Na primeira, aparece o diálogo entre Deus e o profeta. O tema central é a justiça de Deus na história. Não aparece no texto uma solução teórica nem prática para o problema. O impasse é superado pela atitude de fé do profeta. Ele acredita que é Deus quem julga e condena toda a forma de opressão (Hab 1,2-2,4). Na segunda parte, o profeta profere cinco "ais" contra a avidez dos conquistadores, os que se enriqueceram por meio de ganhos ilícitos, a política de violência, o cinismo dos conquistadores e a idolatria (Hab 2,5-20). Por fim, o profeta faz um apelo à intervenção do Senhor, por meio de uma oração de lamentação (Hab 3,1-19).

 

5.6 Jeremias. A formação do livro de Jeremias é muito complexa, tendo passado por diversas mãos. Há um consenso em atribuir ao profeta os oráculos em poesia proferidos contra Judá (Jr 1,125,13a). Os textos que narram uma espécie de biografia de Jeremias foram elaborados pelo seu secretário Baruc, para enaltecer o mestre e mártir dando ênfase ao seu sofrimento (Jr 26,1-29;32 e 34,1-45,5). O Livro da Consolação provavelmente nasceu no contexto do exílio da Babilônia (Jr 30,1-33,26), e os oráculos contra as nações, embora sejam atribuídos no seu núcleo a Jeremias, sofreram, porém, acréscimos posteriores (Jr 25,13b-38; 46,1-51,64). No apêndice o livro retoma 2Rs 24,18-25,30; mostra a realização das ameaças do profeta.

 

5.7 Baruc: O livro de Baruc não se encontra na Bíblia hebraica e sim na Bíblia grega. Também ele é obra de muitas mãos. Ele inicia com uma introdução histórica que apresenta Baruc lendo para os exilados na Babilônia os seus escritos e por eles é enviado a Jerusalém para lê-los nas assembleias litúrgicas (Br 1,1-14). Segue uma oração penitencial (Br 1,15-3,8), um poema sapiencial (Br 3,9-4,4) e uma exortação e consolação a Jerusalém (Br 4,5-5,9). Nas Bíblias católicas o livro termina com o capo 6, a Carta de Jeremias aos exilados da Babilônia. Na Tradução Ecumênica da Bíblia esse capítulo constitui-se, num escrito à parte, logo após o livro de Baruc.

 

6 A fusão das obras javista e eloísta

Supõe-se que foi no reino do Sul, durante o reinado de Ezequias, que as tradições do Norte foram fundidas com as do Sul. A "narração eloísta", trazida pelos que fugiram da invasão assíria ao reino de Israel, foi unida à "narração javista", já fixada em Judá. Nessa fusão, destacou-se mais a tradição javista, ficando a eloísta mais diluída nos livros do Pentateuco. Isso reflete a situação política daquele momento: o Norte já não tinha lide rança; estava espalhado pelos territórios assírios ou pelo reino de Judá. O Sul passou a ser, daí por diante, o guardião da tradição de Israel.

 

  1. Os textos que deram origem à "Obra Deuteronomista"

Sem entrar ainda nos detalhes dessa vasta obra literária e historiográfica, que reflete uma das correntes teológicas de pensamento dentro da Bíblia, podemos apenas adiantar que a maior parte do que sabemos sobre os reis de Judá, como também dos reis de Israel, provém de 1 e 2 Reis. Esses livros fazem parte da obra historiográfica que convencionamos chamar de "Obra Deuteronomista", por ter como princípio teológico fundamental o livro do Deuteronômio. Essa obra abrangia inicialmente os atuais livros do Deuteronômio, Josué, Juízes, os dois livros de Samuel e os dois dos Reis. Pretendia fazer uma recapitulação de toda a história de Israel, desde a partida do Sinai até o último rei de Judá, na época da deportação para Babilônia. Alcançava, portanto, um arco de tempo de mais ou menos sete séculos.

 

Segundo alguns estudiosos, houve pelo menos três grandes redações da historiografia deuteronomista, até que todo o conjunto ficasse acabado. Uma boa parte teria sido escrita no tempo de Josias, tomando como base o que seria o núcleo do atual Deuteronômio (Dt 12,1-26,15). Outra parte teria sido escrita no exílio e outra no pós-exílio, quando se juntou tudo. Os estudiosos aceitam o fato de que os autores deuteronomistas se serviram de fontes orais e escritas, isto é, de textos e narrativas provavelmente já escritos antes deles. Podemos citar como escritos do período de existência do reino do Sul, os seguintes textos da Obra Deuteronornista:

 

7.1 Deuteronômio 12,1-26,15: Esse é o conjunto de normas que recebeu o título de Código Deuteronôrnico. Em grandes linhas, corresponde ao "Livro da Lei do Senhor" encontrado no Templo durante as reformas de Josias (2Rs 22,8s). "Reúne sem ordem aparente diversas coleções de leis de diferentes origens, algumas das quais devem provir do reino do Norte, de onde teriam sido introduzidas em Judá depois da queda da Samaria. Este conjunto que leva em conta a evolução social e religiosa do povo devia substituir o antigo Código da Aliança"!' (Ex 20,22-23,19). Com efeito, este último estava ultrapassado em alguns pontos, carecendo de ser atualizado e completado, o que deve ter sido feito por uma leitura deuteronomista, na corte de Josias, na perspectiva de sua reforma religiosa.

 

Por trazer uma variedade tão grande de normas sobre os mais diversos aspectos da vida familiar, social e religiosa, podemos citar aqui, apenas a título de exemplificação, algumas delas: a lei da centralização do culto (Dt 12,1-16); a proibição de comer sangue (Dt 12,23-25); a crítica aos cultos cananeus à idolatria (Dt 12,29-14,2); o dízimo (Dt 14,22-29); a Páscoa e outras festas (Dt 16,1- 17); a lei sobre a remissão das dívidas a cada sete anos (Dt 15,1-11); o perfil do rei ideal (Dt 17,14-20); as leis acerca da família, com destaque para o divórcio (Dt 24).

 

7.2 Deuteronômio 4,44-11,32 Esses capítulos apresentam-se como um longo discurso de Moisés e servem de introdução ao Código Deuteronômico (Dt 12-26). Em Dt 4,44-49 há uma breve referência de lugar e tempo. No capítulo 5 começa o grande discurso de Moisés, que inicia com o Decálogo ou Dez Palavras (Dez Mandamentos). Essa versão é só um pouquinho diferente da que se encontra em Ex 20,217. Moisés continua falando ao povo, exortando-o a pôr em prática os preceitos da Aliança. Em Dt 6,4-5 encontramos a famosa exortação que se tomou uma oração obrigatória, uma espécie de "profissão de fé" para Israel, conhecida como shemá; "Ouve, ó Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único senhor! Portanto, amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua força". Essa oração foi retomada e aperfeiçoados por Jesus como resumo de toda a Lei, incluindo o amor ao próximo (Mt 22,37).

 

Para alertar o povo contra os perigos da infidelidade aos preceitos divinos, Moisés o faz relembrar as provações pelas quais passou (Dt 7,17-26; 8,1-6); os pecados que cometeu e as intercessões de Moisés pelo povo (Dt 9,7-29); os benefícios recebidos do Senhor (Dt 7,7-16; 9,1-6; 11,1-7) e os sinais que Deus colocou no meio do povo como símbolos da Aliança firmada com ele: a Arca da Aliança, com as tábuas de pedra contendo os Dez Mandamentos (Dt 10,1-11), e a circuncisão. Lembra que a "circuncisão do coração" é que interessa a Deus (Dt 10,12-22). Reitera a necessidade do cumprimento fiel dos preceitos de Deus (Dt 6,14-25), sobretudo quando o povo estiver habitando a terra prometida, onde a tentação de infidelidade será maior (Dt 7,1-6). Termina seu discurso citando as bênçãos que virão do cumprimento dos preceitos e as maldições que cairão sobre os que não os cumprirem (Dt 11,8-17). Os quatro últimos versículos concluem de novo pedindo o cumprimento das palavras do Senhor e a necessidade de ensiná-las aos filhos (Dt 11,18-21).

 

7.3 Deuteronômio 28: Esse capítulo é a sequência natural de Dt 26,16-19 e 27,9-10, no qual o Código Deuteronômico tinha sido apresentado como o documento do tratado entre o Senhor e Israel. O capítulo fala sobre as bênçãos (Dt 28,1-14) e as maldições (Dt 28,15-46), que cairão sobre os que cumprem ou não os preceitos de Deus. Em Dt 28,47-68, desenvolve mais as consequências que cairão sobre o povo, quando se tomar infiel ao Senhor, reforçando o apelo para cumprir os preceitos.

 

7.4 Alguns provérbios: O livro de Provérbios reúne uma grande quantidade de máximas da sabedoria, sem ordem aparente. Vamos considerar alguns capítulos que são situados nessa época: Pr 1022 e 25-29. Essa coleção parece ser a par- te mais antiga do livro e é chamada de "coleção salomônica" talvez por sua antiguidade, que poderia remontar ao tempo de Salomão, famoso por sua sabedoria. Os dois blocos iniciam com uma menção a Salomão (10,1; 25,1). O que nos faz pensar que esses ditados foram escritos e/ou reunidos nessas duas coleções na época do reino de Judá, é a informação de 25, lb: quem fez o trabalho de transcrevê-los foram os "homens de Ezequias, rei de Judá".

 

7.5 Alguns salmos: Sl 64 - traz como tema o castigo dos caluniadores. Reflete a visão da lei do talião, pedindo para os caluniadores a mesma "flechada" que eles lançam contra o justo (v. 4). O salmo reflete uma situação semelhante a de Jeremias (Jr 9,2). Deus conhece o coração do homem (v. 7; Jr 11,20) e por isso julgará corretamente, fazendo a alegria do justo (v. 11).

 

7.6 Nos Sl 46 e 48 o Senhor é a fortaleza do povo. Sião é a montanha de Deus. Os dois salmos são cânticos de Sião, hinos que refletem a escolha do Senhor pela cidade de Jerusalém (Sião). Esse espírito de euforia pela presença do Senhor na cidade e no santuário, libertando-os dos inimigos (Sl 46,4-10), corresponde ao clima presenciado e denunciado por Isaías quando da retirada dos exércitos de Senaquerib, em 701 (2Rs 19,35; Is 17,14; 22,1-2). O salmo 48 parece refletir também o fracasso da coalizão siro-efraimita contra Judá, em 732 a.C.

 

7.7 - Sl 31 é uma súplica na provação. Tem muitos pontos de contato com a prece de Jeremias quando estava sendo perseguido (Jr 20,10-13). Poderia muito bem ter sido composto a partir das "confissões de Jeremias", onde a temática de confiança no Senhor que salva o perseguido é muito forte.

 

7.8 - Sl 80 é uma oração pela restauração de Israel, após a destruição de Samaria pelos assírios, em 721 a.C Pode se referir também à destruição de Jerusalém pelos babilônios em 587/6 a.C No primeiro caso, ele teria sido composto por algum sobrevivente que ficou na terra ou que escapou para o Sul. Recorda com detalhes a invasão e a destruição da "vinha" (o povo) do Senhor e a desolação em que a terra ficou.

 

7.9 - Sl 81 é um hino para a festa das Tendas. Essa era a festa por excelência em Israel. Comemorava a estada no deserto e a Lei recebida no Sinai. O salmo está impregnado do espírito deuteronomista, sobretudo nos vv. 7-17. Corresponde ao fervor religioso de observância da Lei, que nasceu no povo com as reformas de Josias.

 

8- Escritos sobre a época.

1Reis 14 a 2Reis 25: Se considerarmos que toda a obra deuteronornista foi escrita posteriormente aos fatos nela narrados, então os capítulos de 1Rs 14 a 2Rs 25 foram escritos sobre a época do reino do Sul, mas não são da época. São muito posteriores. O conjunto traz um resumo bem esquematizado dos reis de Judá e de Israel, numa leitura sincronizada, alternando os reis de cada um dos reinos. Alguns reis, como já vimos, ganharam mais destaque na obra, enquanto outros foram sumariamente avaliados com a frase-refrão: "fez o que é mau aos olhos do Senhor".

 

2Crônicas 10-36: Os textos da obra cronista retomam o período da monarquia em Israel, contida em 1 e 2 Reis, mas omite aquilo que se refere ao reino do Norte. Em outras palavras, ignora o reino de Israel. Depois da cisão em dois reinos, só fala do Sul, mostrando sua irresistível preferência pelo que é do reino "davídico".

 

Eclesiástico 48,17-49,7: Recorda alguns personagens importantes do passado do povo. Avalia negativamente o conjunto dos reis de Judá, com exceção de Davi, Ezequias e Josias (49,4), que são elogiados. Dá destaque a Ezequias (48,17-21), ao profeta Isaías (48,22-25) e a Josias (49,1-3). Tal avaliação corresponde ao espírito deuteronomista, que explica a desgraça da nação pelas infidelidades dos reis (49,4b-5). Faz também uma menção pessoal ao profeta Jeremias (49,7).

 

Conclusão: Percorrendo a caminhada do Reino de Judá, nos seus 345 anos de existência, pudemos perceber alguns pontos marcantes. O que mais nos chamou a atenção foi o dano que causou ao povo a sacralização do poder, de um lado, e a manipulação da religião, de outro. Fiado em suas instituições, que gozavam da bênção e proteção do Senhor, o povo de Judá e seus líderes se desviaram a passos largos do projeto inicial proposto por Deus para seu povo.

 

Percebemos também que, quando o ritualismo toma o lugar da sinceridade do coração no culto a Deus, o resultado é a desvirtuação do sentido do próprio culto. Este passa a ser uma espécie de "máscara" que se coloca somente quando se vai prestar culto. No dia-a-dia, na vida real, aparece a verdadeira face. O ritualismo acentuado faz também o povo esquecer as exigências éticas da própria religião. Sem praticar a justiça, resumo de todas as exigências possíveis nas relações entre os membros da sociedade, o povo e seus líderes foram transformando a religião numa ideologia legitimadora do poder opressor, o culto numa bajulação da divindade, o Templo num fetiche com poderes mágicos. O próprio Deus ficou reduzido a um ídolo, um baal a mais.

 

Os reis de Judá, por via de regra, usufruíram desse sistema que unia a Religião e o Estado, com maior ou menor manipulação da boa-fé do povo. Alguns se esforçaram por melhorar as coisas, promovendo algumas reformas. Mas, como toda reforma nunca mexe no que é essencial (as estruturas), o esforço foi inútil para evitar a catástrofe nacional.

 

As lições que podemos tirar da história de Judá são muitas. Neste estudo procuramos ressaltar a relação entre o Estado, representado pelo rei, e a Religião, representada pelo Templo. A monarquia nascera em Israel já marcada pela dicotomia: o Senhor era o único rei, mas o povo queria um rei terreno.

 

O rei estava entre o Senhor e o povo, mas não poderia se arvorar em único intermediário e intérprete da vontade divina. Teria de se submeter à voz crítica dos profetas. Seria o guardião da religião, enquanto zelador dos preceitos emanados por Deus, mas estaria submisso a eles, nunca acima deles.

 

Pelo visto, nenhum rei em Judá chegou a realizar a síntese perfeita entre essas dicotomias. De um modo ou de outro, todos eles, mesmo os bons reformadores, corno Ezequias e Josias, viveram a relação do Estado com a religião corno um "casamento em regime de comunhão total de bens", mas com os papéis bem definidos: os "bens" ficam com o "marido" (o Estado). Os "bens" são o povo, a nação, tudo o que ele tem e produz. O Estado se utiliza do trabalho da "esposa" (a Religião), para legitimar o seu domínio e a posse dos ''bens''.

 

Neutralizando, pois, as exigências éticas da religião javista, o Estado monárquico de Judá aniquilou a única possibilidade de construir uma sociedade segundo o projeto do Deus da vida, baseada na justiça. O destino de uma sociedade sem ética é a destruição total, para dano de todos, rei e povo. Foi o que mostrou, infelizmente, a experiência de Judá.

 

Questionamento

1- Quais instituições que haviam no reino do Sul e que faltavam a Israel, no reino do Norte?

2- Leia 2Rs 22,8-20; 23,1-3 e comente com as suas próprias palavras.

3- Leia 2Cr 29,3-32,33 e descreva a reforma de Ezequias.

4-   Você é otimista ou pessimista com a situação do nosso país? Existe saída para a situação? De dentro, ou de fora? Qual? Há algum partido político que possa ser instrumento de transformação para a nossa sociedade?

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Notas

[1] O livro de Isaias compreende três grandes blocos: de 1-39 abrange O período da monarquia no reino de Judá. É conhecido como primeiro ou proto-Isaías. Nele predomina a profecia como denúncia das injustiças. De 40-55, no período do Exílio, é o segundo, ou dêutero-Isaías. Nele predomina a profecia como consolação e esperança de novos tempos. E, por fim, de 56-66, do pós-exílio, seu autor é identificado como terceiro ou trino-Isaías. A profecia aqui aparece com um caráter de anonimato, em um contexto do povo oprimido pelas elites de Jerusalém e do Templo, aliadas ao imperialismo persa. O conteúdo dessa mensagem profética é a denúncia da opressão e do culto vazio, e, por outro lado, o anuncio da boa nova aos pobres e, ainda, o anúncio da restauração de Jerusalém e dos "novos céus e nova terra". O livro de Isaias é resultado de "tradições" diferentes.

[2] O livro atual de Isaías traz nos capítulos 1-23 e 28-33 oráculos originais do profeta. Com pequenos acréscimos; dos caps. 2427, o "grande apocalipse''. De acréscimo posterior, caps. 34-35, "pequeno apocalipse" também de acréscimo posterior: os caps. 36- 39 trazem textos biográficos; os caps. 40-55 são oráculos do segundo Isaias. Profeta do exílio da Babilônia, e os caps. 5666 são do terceiro Isaías, do pós-exílio.