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2ª Aula: CHAMADOS/AS PARA VIVER A JUSTIÇA!
2ª Aula: CHAMADOS/AS PARA VIVER A JUSTIÇA!

Curso Bíblico Online – Entendendo o Livro da Sabedoria

‘A SABEDORIA É UM ESPIRITO AMIGO DO SER HUMANO’ (Sab 1,6)

2ª Aula: CHAMADOS/AS PARA VIVER A JUSTIÇA!

Texto Sabedoria 1,1-15


 

1-Motivando a aula de hoje. No dia a dia, ouvimos, ou mesmo repetimos, muitos ditos sapienciais que nascem no chão de nossa vida. São sentenças breves, com ensinamentos práticos que reforçam o nosso modo de vida, exortam-nos à prudência, paciência ou perseverança. Por exemplo: "De grão em grão, a galinha enche o papo”; “Mãos que atiram flores também jogam pedras”; “Quem com ferro fere com ferro será ferido”; “Passarinho que come pedra sabe os rins que tem”; “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.

 

No Antigo Testamento encontramos mui­tos ditos sapienciais (provérbios etc.) que nos transmitem importantes lições de vida. Você deve se lembrar de alguns ditos populares que seus pais costumavam repetir. Dá para lembrar?

 

2- Leitura do texto. O texto que iremos estudar hoje é Sabedoria Capitulo 1, versículo 1 a 15 (Sb 1, 1-15). Por volta do ano 30 a.C., o Egito passa a ser administrado pelos romanos. Em Alexandria, havia uma importante comunidade judaica, cerca de 150 mil judeus em uma metrópole de 600 mil habitantes. Com a chegada da administração romana, a comunidade perde seus privilégios, aumentam os impostos e a perseguição. Muitos judeus abandonam a comunidade judaica, sua cultura e religião, assumindo o modo de vida imposto pelos dominadores, para sobreviver. O autor do livro da Sabedoria faz um apelo aos governantes segundo a tra­dição sapiencial do seu povo, para que amem e vivam a justiça (1,1). Ele reforça que os governantes devem garan­tir vida digna para os pobres, os fracos e os indigentes. A pessoa que vive a justiça é conduzida pelo Espírito de Deus e sua Sabedoria. Abra a sua bíblia, leia com atenção este capitulo.

 

3-Situando o texto que acabamos de ler.  A Sabedoria nasce das experiências con­cretas das pessoas em busca da vida: “Ande, preguiçoso, olhe a formiga, observe os hábitos dela, e se torne sábio. Ela não tem chefe, nem guia, nem governante. Apesar disso, no ve­rão ela prepara seu alimento e reúne sua comida durante a colheita” (Pr 6,6-8); “É melhor dois juntos do que alguém sozinho, porque melhor será o resultado do que fazem. Se um cair, seu companheiro o levantará. Pobre do solitário se cair, pois não terá quem o levante” (Ecl 4,9-10); “Feliz o homem que tem piedade e empresta, e administra seus negócios com justiça. Pois ele jamais vacilará. A memória do justo é para sem­pre” (SI 112,5-6).

 

Como esses, existem muitos outros provérbios espalhados no Antigo Testamento. São provérbios que representam o esforço do povo de Israel para sobreviver e defender a vida. São sentenças que tratam dos desafios da vida cotidiana: exploração, sofrimento, injustiça, do­ença, morte nas ocupações diárias (natureza, trabalho, amizade, saúde, família, organização, governo etc.). Em sua longa caminhada e em suas lutas em defesa da vida, o povo de Israel descobre as leis e ordens que regem a natureza e a vida: a Sabedoria.

 

Os provérbios transmitem a Sabedoria, nascida e acumulada, das experiências concretas das pessoas em busca do bem, da felicidade e de vida digna no cotidiano. O livro dos Provérbios, por exemplo, registra, entre ou­tros, a Sabedoria nascida ao longo da história, a partir da observação e experiência com a natureza, os animais, as pessoas, os governantes e Deus Javé. Há alguns provérbios que defendem a vida do camponês israelita.

 

a) Com a natureza e os animais: “Conheça bem o estado de suas ovelhas, e preste atenção em seus rebanhos, porque as riquezas não duram para sempre, nem a coroa de geração em geração. Corte o capim, e quando o broto aparecer, ajunte o feno das montanhas. Assim, você terá ovelhas que lhe darão roupa e cabritos para comprar um campo, e as cabras darão leite suficiente para alimentar você, sua família e suas criadas” (Pr 27,23-27). “Existem quatro seres pequenos na terra, que são mais sábios que os sábios: as formigas, povo fraco, mas que recolhe sua comida no verão; as marmotas, povo sem força, mas que faz suas tocas nos rochedos; os gafanhotos, que não temerei, mas saem todos em bando; as lagartixas, que a gente pode pegar com a mão, mas entram até em palácios de reis” (Pr 30,24-28).

 

b) Com as pessoas (família, comunidade...) “Quem armazena no outono é filho prudente; quem dorme na colheita é filho da vergonha” (Pr 10,5); “A lavoura dos pobres dá alimento em abundân­cia, mas pode arruinar-se por falta de justiça” (Pr 13,23); “O rico domina sobre os pobres, e quem toma emprestado é escravo de seu credor. Quem se­meia injustiça colherá desgraça, e a vara de sua ira desaparecerá” (Pr 22,7-8); “O homem pobre que explora os fracos é chuva devastadora que deixa sem pão” (Pr 28,3).

 

c) Com os governantes: “Amor e fidelidade protegem o rei; é no amor que seu trono se sustenta” (Pr 20,28); “Quando o país é dominado pela transgressão, seus governantes são numerosos; mas quando o homem é sábio, o direito se prolonga” (Pr 28,2); “Quando os justos são muitos, o povo se alegra; mas quando o ímpio governa, o povo se queixa” (Pr 29,2); “O rei administra a terra com base no direito, mas quem só exige impostos a destrói” (Pr 29,4).

 

d) Com Deus Javé   “O caminho de Javé é refúgio para o íntegro, mas é ruína para os malfeitores” (Pr 10,29); “O homem de bem alcança o favor de Javé; mas o homem mal-intencionado, Javé o condena” (Pr 12,2); "Para Javé, a prática da justiça e do direito vale mais que os sacrifícios" (Pr 21,3); “Muitos buscam o favor do chefe, mas é só de Javé que vem o direito do homem” (Pr 29,26).

 

Tudo isso mostra que, para o povo de Israel, a Sa­bedoria é dom de Deus (Pr 2,6) e caminho para a vida! Nele, destaca-se a justiça que até equivale à Sabedoria. E ambas consistem em atos de quem busca Javé, Deus Criador, a vida e a salvação: “Javé detesta a conduta dos ímpios, e ama quem procura a justiça” (Pr 15,9); “Sim, quem pratica a justiça encontra a vida, mas quem pro­cura o mal encontra a morte” (Pr 11,19); "A justiça dos retos os salva, mas os traidores são presos em sua própria cobiça” (Pr 11,6).

 

Quem busca a justiça, portanto, promove o pro­jeto do Deus da vida e supera até a morte: “A vida se encontra no caminho da justiça, em cuja direção não existe a morte” (Pr 12,28); “O ensinamento do sábio é fonte de vida, para evitar as armadilhas da morte” (Pr 13,14); "O fruto do justo é uma árvore de vida; o sábio cativa as pessoas” (Pr 11,30). O projeto de Deus, ou seja, a Sabedoria de Deus, consiste em justiça e vida para todas as pessoas!

 

Também constata-se que, no caminho da justiça, Deus Criador está sempre ao lado dos pobres e sofre­dores: “Quem oprime o pobre ofende seu Criador; mas presta-lhe honra quem tem misericórdia do indigente” (Pr 14,31); “Quem zomba do pobre insulta o Criador; quem se alegra com a desgraça não ficará sem castigo” (Pr 17,5); “Não explore o fraco por ser fraco, nem oprima o pobre no tribunal, porque Javé disputará em defesa da causa deles, e tirará a vida daqueles que os tiverem oprimido” (Pr 22,22-23).

 

E quem busca a injustiça é castigado por Deus: “Os retos habitarão a terra e os íntegros permanecerão nela. Os injustos, porém, serão expulsos da terra, e os traidores serão arrancados dela” (Pr 2,21-22); “A justiça aplaina o caminho dos íntegros, mas o ímpio cai por sua maldade” (Pr 11,5); “A justiça protege quem é íntegro em seu cami­nho, mas o pecado leva o ímpio à ruína” (Pr 13,6).

 

Para o povo de Israel, quem lhe dá a Sabedoria é Deus Javé: “Pois é Javé quem dá a Sabedoria; de sua boca vêm o conhecimento e o entendimento. Ele guarda a sensatez para os retos, é um escudo protetor para os que caminham na integridade. Ele protege as trilhas do direito e guarda o caminho de seus fiéis. Então você en­tenderá a justiça e o direito, a retidão e todos os caminhos do bem” (Pr 2,6-9).

 

Deus, o Espírito do Senhor, a Sabedoria, a vida, a justiça, a imortalidade, a injustiça, os projetos do ímpio, o pecado, o castigo de Deus, a morte-, essas são as palavras-chave de Sb 1,1-15, a abertura do livro da Sabedoria, que foi escrito por volta do ano 30 a.C. Um tempo de insegurança, perseguição e sofrimento para os judeus de Alexandria (cf. 19,14-17).

 

Com a chegada dos governantes romanos, a situa­ção dos judeus piorou: aumento de impostos, perda de privilégios, ameaça dos direitos civis etc. Eles ergueram seu grito por justiça e direito! O livro da Sabedoria se abre com uma exortação à prática da justiça: “Amem a justiça, vocês que julgam a terra” (1,1).

 

Para pensar.

O que nos afasta de Deus? Quais as imagens de Deus que aparecem no texto? Qual o papel que o Espírito Santo exerce na vida de uma pessoa justa? O que significa amar a justiça?

 

4- Comentando o texto: 1,1-15 - Amar e praticar a justiça! De maneira indireta, o autor do livro da Sabedoria exorta os governantes, os juízes e as autoridades da terra a amar e praticar a justiça (cf. 6,1-11). Sendo a justiça o caminho de Deus, quem a ama deve buscá-lo e crer nele: "Tenham bons pensamentos sobre o Senhor e o busquem na simplicidade do coração, porque ele é encontrado por aqueles que não o põem à prova, e se manifesta aos que não recusam crer nele” (1,1-2).

 

“Buscar o Senhor” equivale a amar e praticar a jus­tiça: “Escutem-me, vocês que procuram a justiça e que buscam a Javé” (Is 51,1); “Assim diz Javé: ‘Observem o direito e pratiquem a justiça, pois minha salvação está para chegar e minha justiça vai se manifestar’” (Is 56,1). A salvação do povo será realizada, desde que aceitem viver segundo a justiça.

 

Na Bíblia, emprega-se o termo “justiça” ao exigir o direito de cada pessoa à vida digna, sobretudo dos pobres e indigentes. Por exemplo, na crítica profética do Terceiro Isaías (Is 56-66) contra o ritualismo da religião oficial, le­mos: “Por acaso o jejum que eu escolhi não é este: romper as amarras da injustiça, desfazer as correntes da canga, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer canga? Por acaso não é repartir seu pão com quem pas­sa fome, hospedar em casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar diante daquele que é sua própria carne? Se assim você fizer [...], a justiça que você pratica irá à sua frente, e a glória de Javé virá acompanhando você” (Is 58,6-8).

 

“Aqueles que julgam a terra”, por isso, devem esta­belecer a ordem pública e garantir vida digna para os pobres, os fracos e os indigentes (cf. Is 61,1; SI 72,11-13). Ao contrário, o poder das autoridades será ameaçado por ser julgado como afastamento de Deus: “Os pensa­mentos perversos afastam de Deus, cujo poder, posto à prova, confunde os insensatos” (1,3). Os perversos ou os insensatos não praticam nem compreendem o direito e a justiça de Deus: “Eles transformam o direito em veneno e atiram a justiça por terra” (Am 5,7); “Os homens maus nada compreendem do direito, mas os que buscam a Javé compreendem tudo” (Pr 28,5).

 

Por que eles não compreendem o direito? O autor responde: “Porque a Sabedoria não entra na alma que pratica o mal, nem habita em corpo que se dedica ao pe­cado; o espírito santo educador foge da fraude e se afasta dos pensamentos sem sentido, e é rejeitado quando chega a injustiça” (1,4-5). A Sabedoria é o espírito ou o dom de Deus criador e educador do ser humano na prática do direito e da justiça a serviço da vida e da felicidade da criatura (a natureza e a humanidade).

 

O termo “espírito”, em grego pneuma, no livro da Sabedoria, não perdeu seu sentido original do hebrai­co rüah - sopro, vento. No Antigo Testamento, a rüah, espírito, é a força e a Sabedoria de Deus. O Espírito de Deus está presente em toda a caminhada, perspectivas e fé do povo judeu: na criação (Gn 1,2; 2,7), na formação e organização do povo (Jz 3,10; 11,29) e nas pessoas que exercem funções de liderança, como juízes, reis, sacer­dotes, profetas, messias (Nm 11,29; 1Sm 11,6; 2Sm 23,2; Mq 3,8; Ez 36,25-27; Is 42,1; Jl 3,1-5).

 

A função do Espírito de Deus, como educador, reden­tor e santo de Israel, portanto, é criar, animar, discernir, profetizar, libertar e salvar. Com a ausência do “espírito santo educador”, Israel presencia a “injustiça” ou “per­versidade”. Os governantes sem “espírito” no tempo do profeta Miqueias, por exemplo, são criticados: “Vocês constroem Sião com sangue e Jerusalém com injustiça. Os chefes de vocês proferem sentença a troco de suborno. Seus sacerdotes ensinam a troco de lucro e seus profetas dão oráculos por dinheiro” (Mq 3,10-11).

 

Um dos meios para https://img.comunidades.net/lei/leituraorante/Imagem2.jpgpraticar a injustiça e crimes, que a abertura do livro da Sabedoria salienta, é a palavra ou a língua: “A Sabedoria é um espírito amigo dos seres humanos e não deixa impune quem blasfema com os lábios, porque Deus é testemunha dos sentimentos deles e observador atento do seu coração, e está à escuta de sua língua” (1,6). Os versículos a seguir não cansam de repetir a crítica contra a língua que profere as palavras, os pensamentos e os atos do ímpio: "dizer as coisas injustas” (1,8); "o eco das palavras do ímpio” (v. 9); "o sussurro das murmurações” (1,10), “a murmuração inútil”, “a male­dicência a língua”, "boca mentirosa mata a alma” (1,11).

 

É a prática injusta da língua que se faz presente em muitos provérbios: “A língua saudável é árvore de vida: a língua enganosa despedaça o espírito” (Pr 15,4); "O malfeitor olha atento para os lábios que enganam; o mentiroso dá ouvido à língua maliciosa” (Pr 17,4); “Morte e vida dependem da língua: aqueles que a amam come­rão de seu fruto” (Pr 18,21); “A língua mentirosa odeia a quem ela mesma fere e a boca que elogia leva à ruína” (Pr 26,28), entre outros. A língua mentirosa e maldita dos injustos provoca toda perversidade e morte.

 

De fato, a língua mentirosa fazia parte da realidade dos judeus de Alexandria, sob o domínio do Império Ro­mano. O Império apresentava notícias de seus interesses e decretos do Imperador como evangelho - "boa-nova". O Imperador, por exemplo, era anunciado como “filho divino e salvador”, por ter estabelecido a paz sobre a terra, a pax romana. Com esse evangelho, o Imperador mani­pulava, ditava e moldava o cotidiano do povo dominado, legitimando o poder e a dominação, como também a co­brança sistemática de impostos, monopólio do comércio e imposição da religião e da cultura. A língua mentirosa estava solta! Manipulação, alienação, exploração e morte também estavam soltas!

 

Aqui entra fortemente a condenação do autor con­tra os mentirosos e blasfemos, que alienam e exploram o povo. Para o Deus criador e onipresente, não há impunidade dos mentirosos: “Pois o Espírito do Senhor enche o universo. Ele, que sustenta tudo o que existe, tem conhecimento de tudo o que se diz” (1,7); “pois ouvido cuidadoso tudo escuta, e o sussurro das murmurações não lhe escapa” (1,10).

 

O castigo é inevitável! Os mentirosos serão julgados, condenados e sentenciados: “Por isso, ninguém que diga coisas injustas escapará, e a justiça reprovadora não o poupará. Haverá investigação dos projetos do ímpio; o eco de suas palavras chegará ao Senhor e seus crimes serão reprovados” (1,8-9). O termo a justiça, em grego díkê, indica a justiça vingadora e insuperável que persegue, castiga e aniquila as maldades do ímpio (cf. 11,20; 14,31).

 

Daí o autor apresenta a exortação a que não se opte pela morte: “Não busquem a morte no erro da vida de vocês, nem provoquem a ruína com as obras que prati­cam” (1,12). É a afirmação da experiência humana de que o erro (desgraça), a ruína (destruição) e a morte são provocados pela atuação prática - “obras” - do próprio homem: “A justiça aplaina o caminho dos íntegros, mas o ímpio cai por sua maldade” (Pr 11,5); “Sim, quem pratica a justiça encontra a vida, mas quem procura o mal encontra a morte” (Pr 11,19); “A boca do tolo é sua própria ruína, e seus lábios são armadilha para sua vida” (Pr 18,7).

 

Quem pratica a injustiça e a maldade provoca sua morte. Não é Deus quem castiga com a morte. Ao con­trário, Deus criador propõe a vida: “pois Deus não fez a morte, nem se alegra com a destruição dos seres vivos. Ele tudo criou para que exista. As criaturas do mundo são sadias, e nelas não há veneno de ruína” (1,13-14b).

 

Introduz-se agora a tradição bem conhecida do livro do Gênesis: “Deus viu tudo o que havia feito, e tudo era muito bom” (Gn 1,31). Deus criou todas as coisas para a vida: a terra, a natureza, plantas, animais, seres huma­nos... Pelo seu próprio ciclo natural, tudo nasce, cresce e morre. Cumpre sua existência física. Mas há a morte antecipada pela maldade e injustiça praticada pelos ho­mens. Nisso insiste o autor. Pela sua experiência do dia a dia em Alexandria, o autor acusa o ímpio de expressar “pensamentos perversos” (1,3) com “murmurações”, de os praticar e provocar a morte.

 

Dessa forma, o ímpio cria a realidade venenosa, opos­ta ao projeto do Deus da vida. E uma prática alertada em outra passagem do livro de Gênesis: “Só não pode comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque, a partir do dia em que dela comer, você estará caminhando para a morte” (Gn 2,17). Quando o homem ocupa o lugar de Deus, decidindo por si mesmo o bem e o mal, ele se torna autossuficiente, fazendo o seu próprio projeto, que inclui ganho, poder e prazer sem limite. É o projeto da morte do Império e dos seus seguidores!

 

E o que fazer diante dessa realidade venenosa? O autor proclama: “O mundo dos mortos não reina sobre a terra. Porque a justiça é imortal” (v. 14c-15). Ele retoma a tradição sapiencial dos seus antepassados: “Tesouros injustos não trazem proveito, mas a justiça livra da morte” (Pr 10,2); “A riqueza é inútil no dia da ira, mas a justiça livra da morte” (Pr 11,4). Enquanto a busca desenfreada de bens e poder com a injustiça leva o homem à morte, a justiça leva à vida em comunhão com o Deus da vida.

 

Ou seja, de um lado, o injusto se fecha em seus pen­samentos perversos, pratica a injustiça, provoca a morte e cai até na morte definitiva e eterna de si mesmo; de outro, o justo se abre a Deus, recebe o Espírito que guia e leva ao discernimento para a prática da justiça em favor da vida. A vida em plenitude: “Eu vim para que tenham vida, a tenham em abundância” (Jo 10,10). A verdadeira Sabedoria com a justiça é um espírito amigo do ser hu­mano para o caminho da vida! Em nossa missão, devemos sempre nos lembrar deste ensinamento: "Não se submeta a alguém que seja insensato, e não tome partido em favor do poderoso. Lute até a morte pela verdade, e o Senhor Deus combaterá por você” (Eclo 4,27-28).

 

5 - Iluminando a vida. O Espírito de Deus está presente, com a sua força criadora, nas pessoas que vivem a prática da justiça. Em nossa vida cristã, somos chamadas/os a promover e a defender a vida ameaçada. Esta atitude nos aproxima de Deus, que “não fez a morte, nem se alegra com a destruição dos seres vivos. Ele tudo criou para que exista. O mundo dos mortos não reina sobre a terra. Porque a justiça é imortal'’ (1,13-15).

 

Onde percebemos a ação do Espírito Santo em nossa comunidade e na sociedade em vista da promoção da vida? De que forma incentivamos a permanência e a participação de outras pessoas em nossa comu­nidade? Em nossas comunidades, como vivenciamos a prática da justiça e da misericórdia?

 

6- Preparar o próximo encontro. Para a próxima aula, ler Sb 1,16-2,20

 

7 - Gesto concreto. Estar atenta/o para perceber as realidades de injus­tiça em sua família, em sua comunidade ou no seu local de trabalho e ver como é possível assumir um posiciona­mento justo e solidário.

 

8 - Bênção final: “O Espírito do Senhor enche o universo. Ele que sustenta tudo o que existe tem conhecimento de tudo o que se diz” (1,7). Que esse mesmo Espírito esteja presente em nossos atos cotidianos, para que possamos conduzir a nossa vida segundo a justiça e a Sabedoria. Que o Deus da vida, do amor e da justiça derrame sobre nós as suas bênçãos. Amém.

 

9- Aprofundando: “Que Sabedoria é essa que lhe foi dada?”

Quando chegou o sábado, começou a ensinar na si­nagoga. Muitos ouvintes ficavam admirados, dizendo: “De onde lhe vem tudo isso? E que Sabedoria é essa que lhe foi dada? Este não é o carpinteiro, o filho de Maria e irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não vivem aqui entre nós? "E se escandalizavam por causa dele (Mc 6,2-3).

 

Os ouvintes, que conheciam Jesus, porque ele era um do seu povo, "se escandalizaram por causa dele”. Não compreendiam como era possível que alguém de origem tão humilde e que não frequentava a escola dos rabinos (Jo 7,14-18) pudesse falar como ele falava. Eles pensavam que a Sabedoria só podia ser produzida e transmitida por "sábios, entendidos e letrados”, pessoas estudadas e “cultas”, com muitos conhecimentos e técnicas. Então, de onde vem a Sabedoria de Jesus? “De onde lhe vem tudo isso?”

 

A resposta está no próprio dito sapiencial de Jesus: “Nessa mesma hora, Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e disse: ‘Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado’” (Lc 10,21).

 

Jesus de Nazaré viveu no meio dos “pequenos” do povo da Galileia, que lutavam pela vida. Nas rodas dos familiares e dos amigos, havia um costume de partilhar a experiência do dia a dia em favor da vida, na realidade dura e sofrida. Partilhava e transmitia a Sabedoria acu­mulada ao longo da história do camponês israelita: as “leis” que regem a natureza e a vida. A Sabedoria para a sobrevivência!

 

No tempo de Jesus, com a implantação sistemática da helenização, agravou-se a realidade dos camponeses. Os romanos nomearam os idumeus, inimigos dos judeus, para reger a Palestina: Herodes Magno e seus filhos (Arquelau, Antipas e Filipe), cujos reinados foram mar­cados pela exploração, tirania e brutalidade, espalhando pobreza, doença e desespero no meio do povo: “Ao cair da tarde, quando o sol se pôs, levaram a Jesus todos os que estavam doentes e os endemoninhados” (Mc 1,32).

 

Os reis herodianos promoveram a ostentação do luxo, segundo o estilo greco-romano, construindo pa­lácios em cidades como Cesareia, Séforis, Tiberíades, Jodefá etc. Aumentaram os tributos, assim como inten­sificaram a exploração, a opressão e a violência contra os camponeses, que constituíam cerca de 95% ou mais da população da Palestina. Era comum presenciar famí­lias inteiras sendo vendidas como escravos por causa de dívidas: “Quando Jesus desceu da barca, viu uma grande multidão e se encheu de compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34)

 

Foi nesse caldeirão de sofrimento, de luta pela so­brevivência e do grito dos camponeses por justiça que o movimento de Jesus nasceu, cresceu e anunciou os ditos sapienciais de exortação e orientação. A “bem- -aventurança” é um deles:

 

Elevando os olhos para seus discípulos, Jesus dizia: “Felizes vocês, os pobres, porque de vocês é o Reino de Deus. Felizes vocês, que agora têm fome, porque serão saciados. Felizes vocês, que agora choram, porque hão de sorrir" (Lc 6,20-21).

 

A bem-aventurança dos pobres (cf. Mt 5,1-12), que não significa a exaltação de sua condição precária e so­frida, mas sua libertação, está inserida no Evangelho Q, também chamado de “Evangelho da Galileia”, um con­junto de materiais comuns a Lucas e Mateus, mas ausente em Marcos. Possivelmente é um Evangelho composto durante a década de 40 d.C., na região ao redor do lago de Genesaré ou da Galileia. As pequenas cidades dessa região, como Cafarnaum, Betsaida e Corazin, são men­cionadas nesse dito do Evangelho.

 

Os temas predominantes do Evangelho Q são o julgamento escatológico (sobre o “Reino de Deus” e o “Filho do homem”) e a instrução ética na vida cotidiana, bem presente na tradição sapiencial judaica. Foram as instruções sapienciais e exortações decorrentes das pre­ocupações e angústias cotidianas dos pobres camponeses da Galileia sob o domínio do Império Romano.

 

Seguindo a tradição judaica presente nos Salmos 22; 31; 73 etc., a bem-aventurança, por exemplo, é uma instrução e exortação sapiencial: Deus está ao lado dos pobres, aflitos e famintos, e o Reino de Deus é deles. Os ditos sapienciais do Evangelho Q, assim, teriam surgido da realidade sofrida do povo das margens do mar da Galileia. Eles apresentam críticas contra a sociedade escravagista do Império e as possíveis orientações sapien­ciais, para construir uma sociedade fraterna e solidária: o Reino de Deus:

 

a) “Mas eu digo a vocês, que estão me escutando: Amem seus inimigos, façam o bem a quem odeia vocês. Falem bem de quem fala mal de vocês. Rezem por aqueles que os caluniam. Quando alguém lhe bater numa face, ofereça também a outra. Se alguém tirar de você o manto, deixe que leve também a túnica. Dê a todo aquele que lhe pedir, e se alguém pegar o que é seu, não peça de volta. Tratem as pessoas como vocês gostariam que elas tratassem vocês” (Lc 6,27- 31). “Amem seus inimigos” se opõe diretamente ao princípio das autoridades da época: “olho por olho, dente por dente”. Rompe o círculo vicioso (espiral) da violência e vingança que provoca, justifica e alimenta segregação, extor­são, exploração, guerra etc. Quebra a sucessão de confrontos entre vencedores e vencidos. As­sim, o amor aos inimigos é resistência e crítica contra a Sabedoria dos grandes e, ao mesmo tempo, exige da vida dos camponeses sofridos a convivência fraterna e solidária, baseada na misericórdia e no perdão.

 

b) “Pai, santificado seja teu nome; venha teu Rei­no; o pão nosso cotidiano dá-nos a cada dia; perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixes cair na tentação” (Lc 10,2-4). O amor ao próximo não é uma ideia, nem mero discurso: é um modo concreto de viver a gratuidade e a partilha. Na realidade dos camponeses, uma das causas de endividamento é o empréstimo com juros abusivos, sobretudo para o paga­mento de impostos. Ao contrário da economia de ganho, o dito sapiencial de Jesus propõe a economia da partilha e da solidariedade (cf. Lc 11,2-4).

 

c) “Nenhum servo pode servir a dois senhores. Porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13). O dito “servir ao dinheiro” reflete a realidade sofrida do povo da Palestina, dominado pela po­lítica de helenização do Império, caracterizada pela busca desenfreada de bens, poder, prazer e honra: o aumento de latifúndios e a implantação das cidades prósperas (Decápolis), benefician­do a elite privilegiada com “dinheiro” (riqueza acumulada) como fruto da injustiça - tributo e comércio abusivo. “Servir a Deus”, portanto, representa a luta pela partilha dos bens e da terra. No mundo do Mercado Global de hoje, os seguidores da idolatria do dinheiro continuam gerando a morte pela fome e pela guerra.

 

d) “Grandes multidões acompanhavam Jesus. Ele se voltou e lhes disse: 'Quem vem a mim e não deixa em segundo plano seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua própria cruz e não vem após mim, não pode ser meu discípulo’” (Lc 14,25-27). “Não deixa em segundo plano seu próprio pai, mãe...”, ou, em outra tradução, “não odeia seu próprio pai e mãe...”, provoca, no mínimo, uma estranheza. Mas, levando em consideração a realidade da Palestina no tempo de Jesus, onde uma multidão endividada, sem terra e sem casa, perambula sem rumo (Lc 6,17-19; Mc 3,7-12), esse dito sapiencial desperta no povo sofrido a capacidade de enfrentar por si os problemas de abandono, isolamento, violência, fome e doen­ça. Na prática, o movimento de Jesus propõe a formação de uma nova família e um novo lar, baseados na acolhida, partilha e solidariedade: "Eis minha mãe e meus irmãos. Pois quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,34b-35).

 

e) “Observem os lírios, como crescem. Não fiam nem tecem. E eu lhes digo: nem Salomão, com todo o seu esplendor, jamais se vestiu como um deles. Ora, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é jogada no forno, quanto mais não fará por vocês, tão fracos na fé” (Lc 12,27-28). A fé no Deus criador implica um modo novo de viver a gratuidade e a partilha. A preo­cupação excessiva com os bens materiais, como no caso do Império e dos herodianos, coloca o ser humano até no lugar de Deus, explorando os outros. E preciso agir e viver a existência huma­na segundo os valores do Reino de Deus: justiça, comunhão e fraternidade (Lc 12,30-32).

 

f) “O amor aos inimigos”, “perdoamos aos nossos de­vedores”, “não servir ao dinheiro”, “deixa o pai e a mãe em segundo lugar”, “a fé em Deus”... Tudo isso promove e devolve a vida aos marginalizados e excluídos da socieda­de. São os ditos sapienciais que apontam o caminho para o povo sobreviver e defender a vida, construindo o Reino de Deus no cotidiano: “Com que eu poderia comparar o Reino de Deus? É como o fermento que uma mulher pegou e misturou em três medidas de farinha, até tudo ficar fermentado” (Lc 13,20-21).

 

O que se pode dizer acerca da construção do reino da vida em nossa realidade de hoje, na qual os ímpios, com seus “pensamentos perversos”, ainda continuam provocando exploração, destruição e morte? Relendo a Bíblia, especialmente a busca dos sábios, como o autor do livro da Sabedoria, podemos perceber que a justiça é o caminho da Sabedoria e da vida. A solução é abrir-se Deus e aos outros, lutando por justiça para libertar a todos para a vida: “O mundo dos mortos não reina sobre a terra. Porque a justiça é imortal” (1,14c-15). “Nunca é tarde demais para se converter, mas é urgente, é agora! Comecemos hoje!” (Papa Francisco).

 

 

 

Para ir para a terceira aula: http://leituraorante.comunidades.net/3-aula-assumir-os-risco-sb-116-220