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4ª Aula: Gn 1,1-24ª - A Criação do Universo e da H
4ª Aula: Gn 1,1-24ª - A Criação do Universo e da H

3ª Lição: A Criação do Universo e da Humanidade 

Texto: Gênesis 1,1-24a

 

1- Acolhida motivando a aula de hoje: Na aula passada vimos que Bíblia nos fala da criação do mundo em dois relatos (Gn 1,1-2,4a e Gn 2,4b-3,24). Na aula de hoje vamos aprofundar o primeiro relato: Gn 1,1-2,4ª. 

 

Veremos que Deus cria a mulher e o homem para ser a sua imagem e semelhança. Miséria, fome, desemprego, analfabetismo, falta de moradia adequada, violência e grandes desigualdades sociais fazem parte da realidade de milhões de pessoas. Há muitas pessoas destituídas de sua dignidade de filhas de Deus. O projeto de Deus não está se realizando.

 

Leiamos o poema, escrito por Manuel Bandeira, em 27 de dezembro de 1947.  

 

 https://img.comunidades.net/lei/leituraorante/slide_2.jpg

 

Agora responda: O que você sente quando ler ou ouve esse poema? Como você está cuidando da vida das pessoas? E a vida do planeta? 

 

2. Iluminando a vida: O sopro de Deus continua anunciando a sua presença criadora na nossa história individual e comunitária. O poema da criação (Gn 1,1-2,4ª) é uma resposta às questões do ser humano sobre a origem da vida. Numa perspectiva de fé, acreditamos que a origem da vida está em Deus.  

 

a) Como nós assumimos o compromisso de defender condições dignas de vida para todas as pessoas?  

 

b) De acordo com o poema da criação (Gn 1,1-2,4ª),  Deus cria o mundo em seis dias e no sétimo descansa. Como você respeita a criação de Deus e o ritmo dos nossos dias? Cria espaços para o descanso e os momentos de celebração? 

 

3. Introdução a leitura do texto: A realidade da guerra continua destruindo a vida humana e provocando a destruição da natureza. Na história do povo de Israel, a guerra com o império babilônico provoca o exílio. Em 597 a.C., é exilada a elite: rei, nobreza e sacerdotes oficiais. Em 586 a.C., a cidade de Jerusalém é invadida. Leia sobre isso em 2Rs 24,10-25,21.   

 

O povo enfrenta uma terrível humilhação: o rei é preso e torturado, muitos guerreiros são torturados e mortos, mulheres são violentadas, crianças jogadas contra as pedras. Jerusalém se torna um caos: o templo é incendiado e a cidade é destruída. Grupos de cantores do templo, artesãos e comerciantes, entre outros, são deportados para a Babilônia e tratados como escravos, trabalhando nas obras públicas, nas lavouras e na reconstrução de cidades destruídas. É nesse contexto que surge o poema da criação (Gn 1,2-2,4b) para recordar que o mundo criado por Deus é belo e perfeito. A condição do ser humano não é ser escravo, mas ser imagem e semelhança de Deus. Que a leitura do relato da Criação continue ressoando em nossos ouvidos e lembrando a nossa dignidade de filhas e filhos de Deus.  

 

5. Leitura do texto: Agora leia Gn 1,1-24ª e depois responda.

 

a) O que significa ser imagem e semelhança de Deus? 

 

b) Qual a benção que Deus dá para todos os seres vivos? 

 

6. Situando o texto no contexto:

O exílio da Babilônia é um marco na história de Israel. Os exilados ficam sem terra, sem rei e sem templo. Eles perdem suas principais referências e se perguntavam: “Por que tanto sofrimento? O que está acontecendo conosco? Será que Deus existe mesmo e nos ama? Ou será que Ele esqueceu-se de nós?”. 

 

Parecem as perguntas que a gente faz quando vê o sofrimento do povo hoje ou quando parece que Deus está longe e não conseguimos senti-lo. A vida na Babilônia era um caos, como uma noite escura, sem luar e sem estrelas, sem luz no fim do túnel. Era como um deserto turvo e vazio. É a partir dessa situação de crise e perda de identidade que nasce a preocupação de explicar as razões da derrota e do exílio. Sacerdotes, profetas e sábios procuram dar uma resposta para aquele momento. As lideranças religiosas retomam a história do povo, fazem uma releitura e apontam novos caminhos.  

 

Vamos relembrar alguns fatos da história de Israel ocorridos um pouco antes do exílio. Em 609 a.C., o faraó do Egito coloca Joaquim no trono de Judá e em troca exige pesados

tributos.

 

Em 605 a.C., o exército de Nabucodonosor, rei da Babilônia, derrota o Egito, apoderando-se da Síria e da Palestina. O rei Joaquim, em 602 a.C., deixa de pagar tributos para a Babilônia, provocando um grave conflito (2Rs 24,1).

 

O exército babilônico marcha contra Judá e cerca a cidade de Jerusalém. Em 597 a.C., Jerusalém é invadida e a elite é deportada para a Babilônia. O rei, a nobreza e os sacerdotes oficiais, entre eles o profeta Ezequiel, são exilados (2Rs 24,10-17).

 

No lugar do rei Joaquin, filho de Joaquim, os babilônios colocam Sedecias. Alguns anos depois, o novo rei, movido por sua ambição, deixa de pagar tributos para a Babilônia. Desta vez, a repressão é muito pior. Em 587 a.C., a  cidade de Jerusalém é invadida e destruída. A família do rei é executada, o rei é preso e torturado (2Rs 25,6-7; Jr 52,9-11). O templo, morada de Deus, é incendiado (Lm 2,7-9), saqueado e todos os objetos preciosos e sagrados levados pelos conquistadores para a Babilônia.  

 

A tomada de uma cidade e a deportação são realidades acompanhadas de gestos brutais. Em geral, as mulheres são violentadas e consideradas parte dos despojos de guerra e desprezadas pelos próprios familiares, que as viam como “traidoras” do próprio sangue, e os filhos do estupro como seres abomináveis porque eram “filhos do inimigo”. Muitas crianças são atiradas contra as pedras, os guerreiros têm suas cabeças cortadas ou são esfolados vivos (Lm 5). São cenas que não se apagam da memória.  

 

Essa segunda deportação atinge pessoas ligadas à corte, grupos de cantores do templo, artesãos, comerciantes, agricultores e viticultores (2Rs 25,11-12). E assim, Judá é transformada numa província da Babilônia  (2Rs 25,22-26; Jr 40,5-7).

 

Ao transformar Judá numa província, o rei da Babilônia nomeia Godolias, um antigo cortesão, como governador da nova província (2Rs 25,22-26; Jr 40,5-7). Ele instala seu governo no antigo santuário de Masfa. Para lá vai o Profeta Jeremias. Mas os membros da dinastia davídica, que tinham fugido para Edom, não concordam com este novo governo e matam Godolias. Este fato provoca uma terceira intervenção dos babilônios e mais uma vez alguns judeus são deportados para Babilônia.

 

Segundo os dados presentes no livro de Jeremias (Jr 52,28-30), na deportação de 598 x tinham sido levados para Babilônia cerca de 3.023 judeus., Na deportação de 587, pessoas, e na de 582, cerca de 645 judeus foram levados. Tais números estão dentro do razoável e mostram que quando se fala em exílio não podemos pensar que todo o povo foi levado, mas apenas uma pequena parte da elite dirigente, os artesãos, os sacerdotes e escribas. Enfim, gente que poderia liderar uma revolta contra o poder invasor. A grande maioria do povo nunca foi nem retornou. Mas todos passam pela realidade que chamamos de “exílio”.

 

Na Babilônia, esse grupo é tratado como escravo, utilizado como mão-de-obra nas, construções públicas, nas lavouras, na reconstrução de cidades destruídas e em outros trabalhos forçados: "Este povo foi despojado e saqueado, todos eles estão presos em cavernas, estão retidos em calabouços. Foram submetidos ao saque e não há quem os liberte; foram levados como despojo, e não há quem reclame a sua devolução" (Is 42,22). Muitos não vêem mais sentido na vida nem perspectivas quanto ao futuro. 

 

6.1 A CRISE DO EXÍLIO

 

Através dos cinco grandes lamentos contidos no livro das Lamentações, vemos que o “exílio” é a mais grave crise pela qual passa o povo de Deus. Esta crise é gerada pela perda das principais referências que davam ao povo de Deus uma identidade e um projeto.

 

Estas referências eram: a terra, o rei, a Lei, o templo na cidade santa, Jerusalém. Com a perda da independência, estas referências, que davam ao povo a certeza da presença de Deus em seu meio, foram perdidas. A terra agora pertencia a um rei estrangeiro e não mais ao povo (Lm 5,16). O rei, o ungido de Deus para guiar o povo, estava morto ou exilado (Lm 5,16). Agora o rei da Babilônia, uma figura distante e desconhecida, governava e decidia os destinos do povo de Deus. A Lei de Deus, que regia os relacionamentos dentro do povo, foi substituída pela lei do novo rei babilônico (Lm 2,9). O povo agora é escravo, mesmo morando em sua própria terra (Lm 5,4). Deve pagar pesado tributo e trabalhar para um poder estrangeiro. O templo está destruído e Jerusalém não é mais a capital (Lm 1,1). A religião dos novos governantes começa a penetrar nas casas e nas famílias.

 

Afinal, como chamar Deus a Javé, se Ele não conseguiu proteger seu povo dos invasores? (cf. Jr 44,7). A crise política é lida dentro desta perspectiva religiosa. Muitos abandonam a religião dos pais e se voltam para práticas religiosas antigas, dos tempos dos reis cananeus (Jr 44,17).

 

Em terra estrangeira, sem eira nem beira, o povo entra em contato com a religião do império e se sente confuso em sua crença. Na Babilônia há muitas divindades, Marduk, representado pelo sol, é a mais importante, pois ele é considerado o criador do mundo e do ser humano. Segundo a crença oficial, é essa divindade que garante a vitória aos exércitos de Nabucodonosor. Entre as práticas religiosas mais populares na Babilônia, destaca-se o culto à deusa Sin, representada pela lua, à deusa-planeta Ishtar, e  seu esposo Ningal. Muitas pessoas exiladas assumem as divindades do império invasor.  

 

O povo exilado na Babilônia começa a questionar: Onde esta o nosso Deus Javé? Por que ele está nos castigando? A crise de fé e de identidade exige uma resposta. Nesse momento, surgem muitos salmos, poesias, narrativas e outros escritos que recordam as maravilhas que Deus realizou na vida do povo de Israel, desde as origens. As orações renovam a fé em Javé como o único criador de todas as coisas, Assim reza o povo: “Quão numerosas são tuas obras, Javé, e todas fizeste com sabedoria! A terra está repleta das suas categorias” (Sl 104,24).  

 

Um dos textos mais conhecidos no exílio da Babilônia é o poema litúrgico de Gênesis 1,1-2,4a, escrito por sacerdotes exilados. Eles estruturaram o poema da criação com o refrão: "E Deus viu que era bom" (1,4.10.12.18.21.25). E depois de ter criado o ser humano, numa visão panorâmica de sua obra, dizem: "Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom" (l,31).  

 

Numa realidade desordenada e devastada pela violência, os autores recordam que o mundo criado por Deus é belo, ordenado, perfeito e bom. Os autores recordam ao povo exilado que a sua condição não é de escravo, mas de pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus. Gênesis 1,1-2,4a é um convite aos exilados, de ontem e hoje, para rezar e renovar sua fé e sua esperança em Deus criador. 

 

Os primeiros escritos do tempo do exílio na Babilônia refletem bem esta crise religiosa. São desta época as Lamentações e a redação final do livro de Jeremias, ambas feitas em Judá. E na Babilônia temos a profecia de Ezequiel. Num primeiro momento, a preocupação é evitar que aconteça com Judá aquilo que aconteceu com o reino de Israel, ou seja, que o exílio acabe com a identidade de povo de Deus. Jeremias já alertava que o caminho da sobrevivência passava pela aceitação do jugo do rei da Babilônia (Jr 27,1-11). Manter a identidade, mesmo submetido politicamente, é o caminho seguro para que o povo de Deus possa continuar sua missão.

 

A profecia de Jeremias encontra eco nas palavras de Ezequiel. Este profeta mostra que Deus não está preso a uma determinada terra. Deus está ali onde seu povo se encontra (Ez 11,22-25). Se o povo está no exílio, Deus também acompanhou seu povo para Babilônia. Assim, mesmo distante da terra natal, o povo pode continuar a celebrar a presença de Deus (SI 137). Desta forma, lentamente, o povo vai recuperando sua identidade. Entre o povo exilado vai surgindo uma nova consciência: mesmo longe de Judá, eles são os judeus. Mesmo exilados, o povo não se dispersará no meio de outras nações. Esta é a base do judaísmo até os dias de hoje.

 

6- Comentando o texto: Gn 1,1 a 2,4ª:

No início do poema da criação há um título: "No princípio, Deus criou o u e a terra". Esta frase é uma síntese de todo o bloco e apresenta o tema principal: Deus cria o mundo. No Primeiro Testamento, tradicionalmente chamado de Antigo Testamento, o verbo criar, bara em hebraico, é usado somente para a ação criativa de Deus.

 

O nome de Deus aparece 35 vezes nesse poema, a terra e o firmamento aparecem 21, vezes. Os autores insistem que o verdadeiro Deus não é Marduk, nem a deusa Sin, mas o Deus de Israel. Ele é o criador da terra e do céu, que significa a totalidade do universo (Sl 89,12).  

 

O versículo 2 informa o que existia antes da criação: terra vazia e vaga, trevas, abismo e águas. No princípio era o caos. É a partir do caos que Deus fará surgir a criação. A desordem e o caos representam a situação do povo no exílio da Babilônia. De acordo com o poema babilônico, no princípio da criação só existiam as águas primordiais: O caos não surge de Deus, mas ele coloca ordem. Em Gênesis 1, o sopro de Deus paira sobre as águas. Não se trata de um vento destruidor, mas de um sopro que prepara e anuncia a palavra criadora de Deus: a vida (Sl 33,6).  

 

"Deus disse: 'Haja luz', e 'houve luz'". No primeiro dia, Deus cria a luz e a separa das trevas. O tema da separação dos elementos opostos aparece em vários mitos. No Gênesis, os três primeiros dias são dias de separação. No relato bíblico, a separação não acontece por meio de um combate entre as divindades, conforme o relato da Babilônia, mas é um gesto de Deus. Após esse gesto, Deus dá nome à sua criação, confirmando sua relação de responsabilidade por ela.  

 

À luz ele chama dia, e à treva, noite (1,3-5). No relato babilônico, a luz vem em primeiro lugar e pertence à divindade. Para os autores de Gênesis, a luz não é mais propriedade dos deuses. O abismo e a luz não são sagrados, são apenas criaturas de Deus. A conclusão temporal "Houve uma tarde e uma manhã” indica que as pessoas seguiam o calendário lunar. 

 

No segundo dia, Deus faz o firmamento (1,6-8). A ideia de que o céu separa as águas de cima e as de baixo está presente em outras culturas. O céu é pensado como uma placa de metal com algumas comportas, ou seja, pequenas aberturas por onde saem às águas. Essa placa está apoiada em colunas, separando as águas de cima (Jó 26,11). Deus tem o poder de abrir e fechar as comportas. De acordo com o relato de Gênesis, no Dilúvio, Deus tirou esse firmamento (7,11).   

 

No terceiro dia, cria a terra firme (1,9-13). As águas são recolhidas e aparece a terra firme. Está no coração e na boca do povo: "O céu foi feito com a palavra de Javé, e seu exército com o sopro de sua boca. Ele represa num dique as águas do mar, coloca os oceanos em reservatórios" (Sl 33,6-7). Os babilônios acreditam que Marduk mora no meio do oceano. No poema bíblico, o mar e a terra são criados pela palavra de Deus e pertencem a ele. Esta é a segunda criação avaliada como boa: "E Deus viu que isso era bom" (1,10).  

 

A obra do terceiro dia ainda não está completa. É necessário que a terra produza vegetação e árvores. A origem está na palavra de Deus. Ele ordena que a terra  produza seus frutos. Para Israel, a terra é criatura de Deus. A sua fertilidade não depende de uma divindade, mas ela produz naturalmente, segundo o que Deus ordena. E no final, pela segunda vez nesse dia, temos a avaliação: "Deus viu que isso era bom" (1,12).  

 

No quarto dia, ocorre a criação de luzeiros no céu para separar o dia e a noite (1,14-19). A palavra de Deus chama à existência o sol, a lua, as estrelas. Os nomes sol e lua não aparecem. Esses astros são divinizados pelos povos vizinhos de Israel, porém, no relato bíblico, eles são simplesmente luzeiros, cuja função é iluminar a terra e comandar o dia e a noite, os meses e as estações. Na Babilônia, acredita-se que o sol, a lua e as estrelas têm o poder de controlar o destino das pessoas. Essa crença é desacreditada pelos autores de Gênesis 1, que evidenciam que os astros são criaturas de Deus.  

 

No quinto dia, são criados animais pequenos e grandes (1,20-23). A vida dos seres vivos começa nas águas. No pensamento mítico, as águas do caos representam o lugar no qual brotou toda a vida. Pela segunda vez, o texto utiliza o verbo bara, criar. A primeira vez se refere à criação da luz e agora aos seres vivos. Os primeiros seres vivos criados são os monstros marinhos. No mito babilônico, o monstro marinho é criado pelo abismo, uma força obscura do caos. Novamente, Israel afirma que esses monstros são criaturas de Deus. Os seres vivos são abençoados por Deus e recebem a ordem de crescer e multiplicar-se (1,22).  

 

No sexto dia, Deus cria os animais terrestres e a humanidade (1,24-31). No terceiro dia, a terra produz a vegetação e as árvores frutíferas; no quinto dia, o surgimento dos seres aquáticos e das aves; no sexto dia, a terra é chamada a produzir os animais terrestres. Todos são chamados a produzir e a se multiplicar "segundo a sua espécie"; esse estribilho aparece no terceiro, quinto e sexto dia (1,12.21.25). Depois de tudo criado, Deus cria o 'adam - a humanidade - "à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher os criou" (1,27). É a última das criaturas. Todo o cenário está preparado para recebê-la.  

 

O ser humano não foi criado, como relatam alguns mitos, para ser escravo das divindades, mas como sua criação, como ser com quem Deus se relaciona e dialoga. O ser humano é para ser a imagem e semelhança de Deus: mulher e homem são chamados à vida. Como o Criador, o ser humano é chamado a trabalhar para que triunfe a luz, para realizar, construir e procriar, dando continuidade à obra de Deus.  

 

Deus dá a sua bênção para a humanidade: "Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra" (1,28). Conforme o ambiente cultural de Israel, a fecundidade das plantas, dos animais e do ser humano dependia das divindades. Em Gênesis 1,22 e 28 esse poder é dado a todos os seres vivos como fruto da bênção de Deus. No contexto do exílio, esta bênção é fonte de esperança para a sobrevivência do povo.  

 

A segunda parte da bênção afirma o seguinte: "submetei a terra, dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra" (1,28b). O verbo submeter, em hebraico kabash, tem como foco principal a terra e o seu cultivo. O verbo dominar é tradução do hebraico radah, que possui o sentido de cultivar, organizar e cuidar. Esse também era o ideal sonhado para os dirigentes de Israel (Sl 72,8-14; Is 11, 1-9). É uma crítica contra a tirania dos reis injustos de Israel e os imperadores babilônicos (Ez 34; Is 46-47).  

 

A partir da bênção, a continuidade da vida depende da humanidade, cuja missão é cuidar e proteger, por fim, temos a ordem: o ser humano e todos os seres vivos recebem como alimento, ervas e verduras. Não há agressividade ou violência entre animais e seres humanos. Um não tem ao outro como alimento. E na avaliação final, numa espécie de contemplação geral ele toda a sua obra, ouvimos: "Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom” (Gn 1,31). 

 

Gênesis 1 é um convite à esperança. Deus nos dá esse mundo para que possamos viver em harmonia e em paz. E no sétimo dia: Deus conclui a sua criação. Ele abençoa e santifica o sétimo dia! (2,1-4a). "Em seis dias Javé fez os céus e a terra; no sétimo, porém, descansou e tomou alento" (Ex 31,17; Dt 5,12-15). No livro do Êxodo, que talvez contenha dados mais antigos, transparece a necessidade do descanso físico. No exílio, o dia do sábado ganhou um sentido especial: passou a ser um dia de culto, no qual o povo anuncia a fé no seu Deus e rejeita outras divindades.

 

Por isso, da mesma forma que Deus abençoa os animais e o ser humano, ele também abençoa o sábado e o santifica. O sábado tem que ser um dia para as pessoas resgatarem a sua consciência, sua identidade e sua fé. Elas não devem estar submetidas ao trabalho escravo. É tempo de encontro para fazer memória de suas tradições. É tempo de celebrar e de refazer as energias! Este primeiro relato termina com uma breve conclusão: "Esta é a história do céu e da terra, quando foram criados" (2,4a).  

 

7 - Aprofundando: A criação do mundo na Babilônia e Gênesis 1,1-2,4a.

A região da Mesopotâmia estava localizada nas planícies férteis, banhadas pelos rios Tigre e Eufrates. Antigamente, esses rios estavam ligados por canais e serviam para a irrigação e a navegação. Apesar de ser bem menor que o rio Eufrates, o rio Tigre provocava enchentes arrasadoras. As enchentes eram verdadeiros dilúvios, tudo ficava debaixo d'água. Nessas regiões, as invasões de povos nômades eram frequentes. 

 

A geografia e a realidade da região influenciaram na mentalidade de seus habitantes. Essas inundações eram consideradas como capricho das divindades ou consequência das lutas entre elas. 

 

O ser humano vivia com medo, fazendo tudo para agradar as divindades e escapar da ira divina. As pessoas acreditavam que os seres humanos tinham sido criados para servir às divindades.

 

Na Epopeia de Gilgamesh há uma narrativa sobre a criação do mundo. Na visão dos babilônios, o mundo foi criado da seguinte forma: 

 

“No princípio só havia Apsu, as águas doces, e Tiamat, as águas salgadas do mal: Eles criam os outros deuses, mas depois se arrependem e planejam destruí-los. Os deuses se defendem matando Apsu e atacando Tiamat. Esta prepara um exército de monstros. As divindades buscam um herói que possa combater Tiamat. Todos têm medo, exceto Marduk, um jovem guerreiro, filho do deus Ea. Marduk resolve atacar Tiamat, mas impõe uma condição: se ele vencer será nomeado rei dos deuses. Eles aceitam as condições de Marduk, que parte para o combate. Marduk envolve a sua rival em sua rede e lança no rosto dela o Vento Maligno. E enquanto os ventos atacavam o estômago dela, seu corpo foi distendido e sua boca se abriu totalmente. Nesse momento, com a flecha, Marduk corta o estômago, as entranhas e o coração de Tiamat, eliminando a sua vida e a dos deuses que a seguiam. Em seguida, ele toma o corpo de Tiamat e o divide como uma concha, em duas partes: com a metade, ele estabelece o céu, cerca com um portão e coloca guardas para impedir que as águas escapem. Marduk constrói estações para os deuses, fixando seus semblantes como constelações. Ele determina o ano designando zonas: ele estabelece três constelações para cada um dos doze meses. Quando Marduk ouve as palavras dos deuses, seu coração o leva a realizar obras engenhosas. Abrindo sua boca, ele disse a Ea, deus das águas: "Acumularei o sangue e farei que surjam os ossos. Estabelecerei um selvagem, 'homem' será o seu nome; criarei um homem deveras selvagem. Ele será encarregado de servir aos deuses para que eles possam ter tranqüilidade!". Kingu contribui para a revolta, levando Tiamat a se rebelar e entrar em combate. Eles prendem Kingu, segurando-o diante de Ea. Por ser considerado culpado, eles cortam suas artérias. Do seu sangue é criada a humanidade. Ea impõe o serviço e libera os deuses. Depois de Ea, os sábios criam a humanidade, impondo-lhe o serviço aos deuses”.1 

 

A realidade da guerra e da tirania imposta pelo império babilônico está por trás da construção do mito babilônico. A morte da líder, Tiamat, abre caminho para a vitória. O seu bando foge, mas é aprisionado e morre. O céu é criado com a metade do corpo de Tiamat. Por ter vencido o combate, Marduk consegue o título de divindade suprema no panteão dos deuses. Ele é celebrado como Deus criador na Babilônia e em toda a região da Mesopotâmia. Era o que acontecia na vitória de uma batalha. Os tiranos da Babilônia, legitimados e protegidos por Marduk, sujeitam todas as nações e escravizam todos os seres vivos da terra.  

 

Vivendo como escravos na Babilônia, em contato com outras divindades, os israelitas sentem a necessidade de repensar sua religião e sua fé. Conhecendo o mito da criação segundo os babilônios, os judeus escrevem a sua própria versão. Vejamos o que é próprio do povo de Israel.  

 

1. Para os babilônios, o universo surge da luta entre as divindades; em Gênesis 1, não há batalha entre divindades, Deus é único e cria, de maneira ordenada, a partir de sua palavra. 

 

2. O vento no mito babilônico é denominado de Maligno e sua ação é destruidora. Ao contrário, o sopro de Deus em Gênesis 1 é anúncio de sua intervenção criadora no mundo. É um vento que traz vida, não contém ameaças, nem provoca medo; ao contrário, anuncia a abertura do primeiro dia. 

 

3. No relato bíblico, a luz e as trevas não são divindades, como se acreditava na Babilônia, mas simplesmente criaturas de Deus. Para surgir a terra, em Gênesis, Deus separa as águas de cima e as de baixo, colocando diques ou barreiras entre elas. No relato babilônio, Marduk corta o corpo de Tiamat em duas partes; com uma delas faz o firmamento, colocando guardas para impedir que as águas escapem. 

 

4. Na Babilônia, o solo é formado do ventre de Tiamat, a deusa das águas amargas. O sol é identificado com Marduk. O relato bíblico nem sequer chama os astros de sol e lua, mas simplesmente de luzeiros do dia e da noite. Dessa forma, elimina qualquer possibilidade de serem confundidos com as divindades. Eles foram criados e nomeados pelo Deus de Israel.  

 

5. O simbolismo da água como lugar de onde brota a vida é muito forte em várias culturas, por exemplo, no Egito, na Babilônia, Índia e China. Conforme o mito babilônico, o abismo cria o monstro marinho. Trava-se uma luta entre as divindades e Marduk: vencendo-as, ele se toma a divindade principal.  

 

6. Na tradição do povo judeu, há textos que falam do monstro marinho como criação de Deus. No Salmo 104,25-26 lemos: "Eis o vasto mar, com braços imensos, onde se movem inumeráveis, animais pequenos e grandes; ali circulam os navios e o Leviatã, que formaste para com ele brincar". Em contrapartida, o grupo do Segundo Isaías acredita que foi Javé que destruiu o monstro marinho: "Por acaso não és tu aquele que despedaçou Raab, que trespassou o dragão? Não és tu aquele que secou o mar, as águas do Grande Abismo?" (Is 51,9-10).  

 

8. No relato babilônico, o homem é criado para servir às divindades, justificando a divisão da sociedade em classes e a escravidão. De acordo com Gênesis 1,27, Deus criou a humanidade à sua imagem e semelhança para ser livre e senhora da história.  

 

9. De acordo com Gênesis 1, a obra da criação dura seis dias e o sétimo é para o descanso. Na cultura judaica, o número sete indica perfeição, totalidade, plenitude. Numa linguagem simbólica, os autores afirmam que a criação de Deus é perfeita.  

 

A leitura dos relatos da criação segundo Gênesis 1,1 até 2a e segundo o mito babilônico nos possibilita perceber diferentes tentativas do ser humano de responder às perguntas sobre as origens da vida. Perguntas sobre as quais continuam se debruçando teólogos e cientistas, perguntas que são repetidas a cada geração. 

 

De onde vem a vida? Numa dimensão de fé, acreditamos que a origem da vida está em Deus. E nossa atitude é de reverência diante do mistério do universo, que nos convoca a um cuidado permanente para que a vida continue existindo sempre.  

 

 

 

Perguntas referentes a terceira aula. 

1)  Em que contexto histórico surge Gn 1,1-2,4ª ?  

2)  Quais os questionamentos feito pelo povo no Exílio da Babilônia? 

3)  Qual o perigo visto pelos profetas e sacerdotes que foram para o Exílio? 

4)  Por que no quarto dia da criação os nomes Sol e Lua não aparecem e no lugar o autor bíblico substituem por luzeiros? 

5) Na Epopeia de Gilgamesch o ser humano foi criado para que? 

6) O mundo foi feito em seis dias? Deus descansou depois da criação? Como explicar essa afirmação?  

 

Leitura complementar:  

Clique no link e leia o artigo: O mundo foi feito em seis dias? Deus descansou depois da criação?”  https://leituraorante.comunidades.net/7-o-mundo-foi-feito-em-seis-dias