1- Conte-nos como se deu o convite para a sua participação no Sínodo?
É bom recordar que este sínodo foi convocado há 2 anos pelo Papa Francisco, a pedido do conjunto dos bispos que atuam nos 9 países que formam Pan-Amazônia. Eu me envolvi pela primeira vez com o Sínodo em janeiro deste ano 2019, quando fui dar uma formação bíblica para indígenas, na cidade do Oiapoque-AP, do outro lado da linha do Equador, fronteira com a Guiana Francesa.
O objetivo do curso não foi só dar elementos técnicos de manuseio e entendimento da Bíblia, mas muito mais, inspirar e animar o ardor e paixão por Jesus Cristo e a missão dele e em vista também do Sínodo em que o papa pediu encontrar novos caminhos de Evangelização para o Amazonas. A equipe que me convidou achou que os indígenas deveriam estar preparados na eventualidade de que o mesmo Sínodo venha a abrir a possibilidade de ordenar padres, homens casados.
Essa experiência compartilhada com o superior da minha congregação, em sua visita ao Brasil, foi o passaporte para a minha participação neste Sínodo histórico para a Igreja é um marco divisor de águas na minha vida.
Fiquei sabendo que os superiores gerais das congregações religiosas reunidos em Roma, receberam a notificação de que 15 deles poderiam participar do Sínodo, porém resolveram indicar em seus lugares, os padres de suas congregações envolvidos com o Amazonas e foi assim que o meu nome foi indicado, acolhido e aprovado pela UISG (União Internacional dos Superiores Gerais). Agradeço muito ao padre Abade por essa indicação.
2- Qual foi a sua função no Sínodo?
Éramos 250 pessoas convidadas, sendo 185 padres sinodais, entre eles 57 brasileiros, com direito a voz e a voto. O interessante é que os brasileiros presentes eram todos da região amazônica, só eu sou que não. Fui o único padre, não amazônico, e fora do eixo amazônico a participar.
A palavra Sínodo vem de duas palavras gregas: “syn”, que significa, caminhar juntos, e “hodos”, que significa “estrada ou caminho”. É um mecanismo de consulta do papa. Ele ouve mais do que fala. Nós os padres sinodais tivemos a função de a partir do Instrumentum Laboris (IL), fornecer material para que ele (que esteve todos dias conosco, repercutindo assim a importância da missão da igreja), após o Sínodo, emita um documento chamado Exortação Apostólica, no qual irá resumir e aprovar as principais conclusões deste sínodo. Ele nos prometeu que fará isso até o final do ano.
3- E como foi participar do Sínodo? Quais as suas impressões? O padre esteve com o Papa em algum momento e como foi esse encontro?
Com este Sínodo, o Papa Francisco realiza aquilo que ele afirmou no início do pontificado: colocar a periferia no centro. E a Amazônia, desde sempre, foi concebida como uma periferia, como um espaço a ser colonizado e explorado pelos governos e pelas próprias pessoas que moram nas nações nas quais ela se estende. Agora, a Amazônia irrompeu como território eclesial, como lugar teológico onde se expressa a presença viva de Cristo. Um espaço ‘descartável’, sem valor, pode iluminar e purificar o centro. Não há nada mais evangélico do que isso.”
O sínodo é um convite à transformação, à conversão, um convite à escuta e a caminharmos juntos. Hoje em dia, não é mais possível caminhar sozinhos e sem escutar os clamores dos que mais sofrem e os gritos da Mãe Terra. As exigências são urgentes. As emergências climáticas, que afetam diretamente a vida, tanto da pessoa humana quanto do planeta, não podem esperar, não haverá uma segunda Arca de Noé, ou salvaram a todos ou morremos todos.
O Sínodo nos levou a três conversões fundamentais e que desejo abraçar firmemente: uma conversão pastoral, ou seja, uma Igreja ‘em saída’, que evangeliza a partir do social, que esteja em contato com a realidade, não impondo, mas contagiando. Uma conversão ecológica, porque é muito triste que alguns
representantes de alto nível da Igreja não reconheçam que os temas da Laudato si’ também são Doutrina Social da Igreja. Uma conversão para a sinodalidade, porque esse Sínodo é um chamado para todo o planeta. Enfim, virão os desdobramentos.
O Papa é um homem de Deus, aberto, próximo, simples, atencioso com todos. Sempre sorrindo, pontual, presente em todos os trabalhos e com uma disposição e como um bom Jesuíta, uma capacidade de escuta invejável. Foram muitos os momentos em que tive a oportunidade de estar bem pertinho dele principalmente na hora do cafezinho, às vezes tirando uma foto, outras vezes, apenas ali do lado, admirando-o. A todos que lhe pediam uma benção ele dizia: “reze por mim também”.
4- Muito se falou e se criticou a respeito da realização do Sínodo, como o padre avalia essas reações?
São pouquíssimos, mas fizeram e ainda fazem muito barulho! Com este Sínodo, o Papa Francisco realizou aquilo que ele afirmou no início do pontificado: colocar a periferia no centro. E a Amazônia, desde sempre, foi concebida como uma periferia, como um espaço a ser colonizado e explorado pelos governos e pelas próprias pessoas que moram nas nações nas quais ela se estende. Agora, a Amazônia irrompe como território eclesial, como lugar teológico onde se expressa a presença viva de Cristo. Um espaço ‘descartável’, sem valor, pode iluminar e purificar o centro. Não há nada mais evangélico do que isso.”
Há quem ainda considere esse Sínodo um pretexto que, destacado do contexto amazônico, servirá para endossar decisões “políticas” ou contrárias ao magistério da Igreja. Precisamos nos perguntar se os que são contra o processo sinodal não são contra a própria Igreja e o papa. Devemos avaliar os motivos pelos quais se opõem a todo o processo de mudança e às reformas que, ao contrário, poderiam ser necessárias. A visão de muitos que criticaram o Sínodo mudaria muito se fossem viver em uma comunidade distante por um ano. Todas as questões doutrinárias ou ideológicas acabariam.
Eu fiz essa experiência quando estive no Oiapoque-AP. Naveguei por dois rios (o Curipi e o Uaçá). Conheci dois povos (Karipuna e Galibi-Marworno), e convivi um mês com os participantes do curso e suas famílias visitando suas aldeias, uma delas, a aldeia Karipuna, distante oito horas de canoa da sede central. Banhei-me em seus rios, comi suas comidas, vivi em suas casas, etc...
Se não somos capazes de mudar a forma e a doutrina – não os dogmas – isso significa que não sabemos ir ao encontro das pessoas e responder às suas exigências e aos seus direitos, como, por exemplo, de receber os sacramentos.
5- O Sínodo para a Amazônia abordou o tema da ecologia integral, como essa iniciativa da Igreja pode repercutir na vida da sociedade, na realidade mundial hoje, especialmente no Brasil?
Um dos propósitos deste Sínodo para a Amazônia foi descobrir novos caminhos para uma ecologia integral, que é a busca de uma tarefa missionária cujo objetivo é a defesa da Casa Comum. Essa missão em defesa da Casa Comum deve se tornar em uma atitude presente na vida da Igreja, algo a ser assumido por todos os batizados.
Não é de hoje que a Igreja católica, presente em terras amazônicas desde o século 17, se preocupa com os desafios da região, cuja importância planetária é negada somente por ignorantes e obscurantistas. Os bispos da Amazônia foram os primeiros a advertir o mundo para um iminente desastre ecológico com “consequências catastróficas para todo o ecossistema que ultrapassam, sem dúvida, as fronteiras do Brasil e do Continente”.
Olhando para o mundo, qualquer pessoa com um mínimo de consciência e honestidade reconhece que existem muitas coisas erradas. E não apenas relacionadas à ecologia. A mentira, a guerra, a ambição, a miséria, a fome e muitas outras realidades são tão evidentes que não podemos fechar os olhos para elas. Entre essas crises, a crise ecológica, que tem ganhado mais espaço nas consciências de hoje, é um chamado à conversão interior.
Hoje, não se aceita mais a ideia de que o desenvolvimento econômico e social acontece independentemente de uma preocupação com a manutenção do meio ambiente integrado com o ser humano. Em nossos dias, torna-se cada vez mais urgente a busca por um desenvolvimento sustentável, com o equilíbrio entre a atividade econômica, o bem-estar social, condições de vida digna e a preservação da natureza. O ser humano pertence a um todo maior, que é complexo, articulado e interdependente.
O Papa alerta, no entanto, que muitos cristãos não dão o valor real a esse problema ecológico. A conversão ecológica que lhes falta é justamente isso: levar realmente em consideração a dimensão ecológica da crise que atravessamos em geral. Se for verdade que existem outros âmbitos em crise (e é verdade), o encontro real com Jesus implica uma conversão integral, que possui uma inegável consequência ecológica. Deixar essa dimensão de lado é, no fundo, uma incoerência em nossa vida cristã.
O Papa comenta, para fazer isso mais claro e iluminar a consciência dos cristãos, aquela passagem em que Jesus diz a respeito dos pássaros: “nenhum deles passa despercebido diante de Deus” (Lc12, 6). Se Deus se importa tanto assim com os pássaros (e por extensão, com toda a criação), como não vamos nós também nos preocupar?
Precisamos fazer com que a reconciliação que Jesus nos trouxe seja efetiva também na dimensão ecológica.
O primeiro passo para essa (e qualquer outra) conversão é o reconhecimento dos pecados. Perceber que muitas vezes somos negligentes com relação ao cuidado que devemos ter com a criação. Depois precisamos arrepender-nos, pedir perdão e procurar mudar. Em outras palavras, precisamos fazer com que a reconciliação que Jesus nos trouxe seja efetiva também na dimensão ecológica, também chamada de quarta ruptura (as outras três rupturas são as seguintes: Com Deus, consigo mesmo e com o próximo).
Fruto dessa reconciliação será uma mudança de atitude frente à realidade criada. O Papa coloca algumas atitudes: Gratidão e gratuidade, renúncias e generosidade, consciência de que formamos com a criação uma “estupenda comunhão universal”.
A partir dessa conversão ecológica, o cristão começa a pensar no mundo de maneira diferente e isso lhe possibilita inclusive esforçar-se por mudar os problemas que encontra. Essa conversão o faz mais comprometido com a realidade que o rodeia e que é sua responsabilidade cuidar. O Papa, entretanto, lembra que não basta apenas que cada um seja melhor, porque essa soma de “melhores pessoas individuais” não mudará o mundo. O que se necessita é uma conversão também comunitária, para fazer, segundo o Papa, uma “união de forças e uma unidade de contribuições”.
Com tudo isso, percebemos um chamado muito claro para fazer que o dom da vida cristã que recebemos no batismo se desdobre em todas as suas consequências, com particular ênfase na dimensão ecológica desse dom, que é inegável e importante de ser considerada. E que a partir dessa “conversão ecológica”, possam os cristãos lutar por cuidar da criação de Deus de maneira mais responsável e consciente.
6- A partir das decisões que foram tomadas no encontro, que resultaram no Documento Final, o que se pode esperar de concreto a partir do Sínodo para a Amazônia?
A partir do instrumento de trabalho, nós padres sinodais, fornecemos ao Papa, material suficiente para que ele dê diretrizes a Igreja, expressas em um documento chamado de exortação apostólica que ele fará até o fim deste ano. Muitas foram as nossas recomendações. Agora depende dele. Mas algumas nós já podemos assumir desde já: por exemplo a consciência ecológica.
7- Gostaria de falar sobre algo importante que não foi perguntado?
Acho importante que se saiba que Sínodo foi preparado como um processo democrático, durante o qual, foram ouvidos as comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas, entre outros sujeitos da história da Amazônia real: um processo de escuta de baixo para cima, na contramão de imposições autoritárias ou predefinidas.
Em números exatos foram ouvidas diretamente 22 mil pessoas e depois outras 65 mil através das assembleias nas diversas paróquias. Foram realizados 300 eventos de consulta, 60 grandes assembleias e mais de 50 fóruns temáticos sobre questões Pan-amazônicas.
É fantasioso, por parte de alguns, alegar que a soberania do país seria posta em xeque com uma consulta desta amplitude.
8- Deixe uma mensagem para o povo de Deus da Diocese de Jundiaí?
O Sínodo foi e está sendo um sinal de grande esperança para o caminho missionário de toda a nossa Igreja no Brasil. Este momento é profundamente desafiador, mas que nos encoraja e, sobretudo, nos pede que nos voltemos para a Amazônia para a partir dela, em missão, fazer mais e assim crescermos na consciência missionária de que somos todos batizados e enviados em missão. Isso exige de todos nós uma grande abertura à ação do Espírito Santo, muito diálogo, muita escuta mútua e sobretudo o sentido bonito de que somos todos servidores na Igreja.