Contos, causos e parábolas são narrativas envolventes e sempre abertas a diferentes releituras. São ensinamentos extraídos da vida cotidiana. Cada pessoa, de acordo com a sua realidade, ouve a história e a aplica para a sua vida. As histórias sempre trazem uma lição de vida. No tempo de Jesus e das comunidades cristãs, era muito comum o ensinamento em parábolas. Ouçamos, com o coração, um antigo conto judaico:
Uma vez um judeu rico e religioso, mas avarento, foi visitado por um rabi. O visitante, com todas as atenções, levou-o à janela. “Olhe lá para fora”, disse ele. O rico olhou para a rua. “Que vê?”, perguntou o rabi. “Vejo homens, mulheres e crianças”, respondeu o rico. De novo e muito atenciosamente, o rabi levou-o até junto dum espelho. “Amigo, o que vê agora?” “Agora vejo-me a mim mesmo”, respondeu o rico. “Tome nota”, disse o rabi, “na janela há vidro e no espelho vidro há também, mas o vidro do espelho é prateado”. Uma lição se aprende: logo que o homem junta prata, ele deixa de ver os outros para só ver a si mesmo.[1]
Uma história judaica muito antiga, mas que pode traduzir a realidade de muitas pessoas cristãs, que se fecham diante das necessidades de seus semelhantes. Esse problema vem de longe; desde o século I, ouvimos a seguinte advertência: “Se alguém possui riquezas neste mundo e vê o irmão passando necessidade, mas fecha o coração diante dele, como pode estar nele o amor de Deus?” (1Jo 3,17). Uma camada de prata pode nos levar ao fechamento, tornando-nos individualistas, distante de Deus, das pessoas e de nós mesmos. O conto judaico é antigo, mas muito atual!
Os evangelhos sinóticos – Mateus, Marcos e Lucas – apresentam um total de quarenta parábolas, das quais vinte e nove estão no evangelho de Lucas e dezesseis só aparecem nesse evangelho. São ensinamentos preciosos, sempre abertos a novas reflexões.
O sentido literal da palavra parábolas é “lançar ao lado”. É uma história que conta outra história. As parábolas nascem da realidade cotidiana, de situações corriqueiras, mas sempre trazem um elemento que foge dos padrões normais. A mensagem é indireta e tem como objetivo causar impacto e quem a ouve é convidado a tomar uma posição.
Neste artigo, apresentaremos algumas parábolas que só aparecem no evangelho de Lucas, procurando compreendê-las a partir do contexto das comunidades às quais foram dirigidas. A maior parte das parábolas exclusivas desse evangelho está na parte central: na viagem de Jesus para Jerusalém (Lc 9,51-19,28). É nesse caminho que Jesus ensina seus discípulos as atitudes básicas do discipulado.
A parábola do samaritano é um ensinamento sobre o amor ao próximo. Um especialista em leis pergunta para Jesus: “Quem é o meu próximo?” (Lc 10,29). A resposta não é dada de imediato, mas por meio de uma parábola que leva o ouvinte a refletir sobre o sentido do amor ao próximo, cujo caminho é o da compaixão e da misericórdia.
A história está ambientada no caminho entre Jerusalém e Jericó, estrada perigosa e apropriada para a ação dos ladrões. Nesse caminho, há um homem que foi roubado, espancado e deixado à beira do caminho, semimorto. Um sacerdote e um levita passam pela mesma estrada. Eles são homens fiéis à Lei e prestam serviço no templo. Os dois veem o homem caído, mas seguem adiante, fecham os olhos e o coração. O sacerdote e o levita não são pessoas ruins, ao contrário, eles são piedosos e seguidores da Lei (Lv 21,1-3).
Em seguida, passa um samaritano, ele viu o homem caído e moveu-se de compaixão (Lc 10,33). Essa história certamente causou espanto para uma audiência judaica, pois entre judeus e samaritanos há uma rixa antiga. Quando a Samaria, capital do reino do Norte, foi invadida pelos assírios, em 722 a.C., esse Império deportou as elites da cidade e levou para lá pessoas de cinco regiões diferentes: Babilônia, Kut, Avá, Hamat e Serfárvaim (2Rs 17,24).
Com o passar do tempo, esses colonos assírios foram se unindo com os israelitas, formando um novo povo: os samaritanos. A origem mista desse grupo e suas práticas religiosas eram motivo de desprezo e hostilidade da parte dos judeus fariseus. Com a promulgação da Lei, especialmente as leis referentes à pureza, houve vários desentendimentos entre judeus e samaritanos.
É justamente um excluído que é capaz de amar o próximo. Quem é esse homem ferido? Seria um judeu? O homem caído está desfigurado, sem identidade. Pouco importa saber quem ele é, pois a compaixão ultrapassa as barreiras étnicas, sociais, culturais e de gênero. É um sentimento que não se traduz com palavras, mas com gestos concretos de cuidado amoroso com a vida ameaçada. Para viver a proposta cristã, é preciso ser sensível aos sofrimentos das pessoas que estão à beira do caminho.
Terminada a história, Jesus, dirigindo-se ao legista, pergunta: “Qual dos três, em tua opinião, foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (10,36). A questão mudou de perspectiva: não se trata de identificar quem é o próximo, mas como alguém se torna próximo do outro. O legista é obrigado a admitir que o próximo é aquele que usou de misericórdia com o homem ferido. O samaritano, um impuro, um fora da Lei, é capaz de se aproximar e de realizar a vontade de Deus. Os dois homens religiosos e apegados à Lei não conseguem reconhecer qual é o projeto de Deus. A resposta de Jesus denuncia o legalismo religioso, que ignora o sofrimento das pessoas caídas à beira do caminho. Precisamos aprender a nos aproximar das pessoas com os olhos do coração. A comunidade cristã é chamada a revelar o rosto misericordioso de Deus e a sua presença nas realidades de sofrimento.
Duas parábolas sobre a necessidade de rezar sempre e nunca desistir
A do amigo importuno e a do juiz e da viúva. A primeira descreve uma pessoa que incomoda o amigo no meio da noite (Lc 11,5-8). Apesar dos protestos, o amigo importunado acaba cedendo por causa da insistência de quem pede. A mesma lição contém a parábola da viúva que pede várias vezes até conseguir que um juiz injusto lhe faça justiça. Essa viúva é apresentada como modelo de perseverança na oração (Lc 18,1-8).
No Oriente, a hospitalidade é um costume sagrado, assim, era impossível pensar em alguém que se recusasse a prestar um favor a um amigo, mesmo no meio da noite. É um fato do cotidiano que foi adaptado para reforçar a necessidade de rezar sempre. Reze de maneira confiante, pois se até mesmo um amigo atende às necessidades do outro, mesmo numa hora imprópria, muito mais o Pai do céu.
Na parábola da viúva, temos, de um lado, o juiz, alguém que dispõe de poder, e do outro, uma viúva, desprovida de poder. A parábola ressalta que a viúva não tem chance de conseguir o que reclama, mas por sua insistência ela alcança seus objetivos.
Diante do corre-corre e do ritmo acelerado que vivemos, acabamos nos distanciando da oração. Aos poucos, vamos perdendo nossa capacidade de fazer silêncio interior. Buscamos responder aos apelos de uma sociedade pautada pela lógica da competição, do lucro e do rendimento imediato. Nesse contexto, a oração se torna dispensável. É possível que essa fosse a realidade da comunidade lucana, por isso o autor insiste na atitude orante de Jesus, provocando as pessoas do século I a rezar e a viver com vigor a fé cristã. Um apelo atual e necessário para os tempos de hoje, pois a oração nos aproxima da Luz e nos ajuda a nos tornar mais humanos e solidários.
“Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez, pois, mesmo na abundância, a vida de um homem não é assegurada por seus bens” (Lc 12,15). Essa advertência é exemplificada na parábola do rico insensato. O rico só se preocupa consigo mesmo: “Que hei de fazer? Não tenho onde guardar minha colheita”; “Eis o que farei: demolirei meus celeiros, construir maiores e lá recolherei todo o meu trigo e os meus bens. E direi à minha alma” (Lc 12,17-19). Ele é o centro de tudo. Será que tem sentido uma vida totalmente voltada para si mesmo? A riqueza não garante a vida de ninguém, pois a vida é um dom de Deus. O rico morreu sem desfrutar de seus bens. “Não te felicites pelo dia de amanhã, pois não sabes o que o hoje gerará” (Pr 27,1; cf. Eclo 11,19).
Em todo o Novo Testamento, a palavra insensato só aparece nesse texto (Lc 12,20). No Antigo Testamento, ela é usada para designar aquele que é autossuficiente e que se distancia de Deus (cf. Sl 14,1; 49,11; 92,7). Na parábola, o rico leva uma vida sem Deus, fechado em si mesmo. É uma história que faz pensar sobre o sentido da vida e a necessidade de nos abrirmos para as pessoas e, consequentemente, para Deus.
A parábola da figueira estéril começa com o pedido do proprietário para que ela seja cortada. O vinhateiro intervém: “Senhor, deixa-a ainda este ano para que cave ao redor e coloque adubo. Depois, talvez, dê frutos… Caso contrário, tu a cortarás” (Lc 13,8-9). A parábola é uma referência à audiência judaica que não acolhe Jesus. A imagem da figueira estéril é aplicada às pessoas que vivem preocupadas com seu próprio bem-estar, descomprometidas e distantes do projeto de Deus. A paciência de Deus não tem limites e ele toma a iniciativa, dispensando cuidados amorosos para que os pecadores se convertam. Deus espera sempre! A pessoa cristã é chamada a enraizar sua vida em Cristo e esse caminho só é possível fazer seguindo seus passos, o que significa muitas vezes ficar na contramão da sociedade.
“Senhor, é pequeno o número dos que se salvam”. Essa questão era debatida em vários grupos judaicos. Para alguns, a resposta é a totalidade do povo de Israel; para outros, especialmente os grupos apocalípticos, apenas alguns eleitos. Fugindo desse debate, Jesus exorta ao empenho pessoal (Lc 13,24). A salvação é um dom, mas exige o esforço humano.
Após a exortação, segue a parábola da porta estreita, composição própria de Lucas (Lc 13,25-29), tecida com a reunião de vários ditos de Jesus, que também se encontram no evangelho de Mateus, de forma separada. Eis as semelhanças: “porta estreita” (Lc 13,24; Mt 7,13); porta fechada e acesso recusado (Lc 13,25; Mt 25,10-12); protesto dos que ficaram de fora e nova rejeição (Lc 13,26-27; Mt 7,22-23); o sofrimento dos que ficaram de fora (Lc 13,28-29; Mt 8,11-12); “os últimos serão os primeiros” (Lc 13,30; Mt 20,16). É provável que Mateus e Lucas tiveram acesso a uma fonte comum.
A conversão é um tema frequente no evangelho de Lucas. Os que eram considerados excluídos serão incluídos: “Eles virão, do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus” (Lc 13,29). Todos, estrangeiros e judeus, que se abrem à mensagem de Jesus participarão do Reino. A salvação é para todos os que se convertem, para as pessoas que se esforçam em viver o perdão, a compaixão, a misericórdia e que buscam o Reino de Deus e a sua justiça. Entrar pela porta estreita é seguir Jesus e trilhar os mesmos caminhos que ele andou.
Lucas apresenta a parábola de um homem que começou a construir uma torre sem calcular e não pôde concluí-la, e a de um rei que não mediu as forças inimigas e teve que fazer uma negociação de paz forçada (Lc 14,28-32). Essas parábolas falam da necessidade de refletir antes de iniciar qualquer projeto. Mas o evangelho de Lucas as situou no contexto do seguimento de Jesus, exortando os discípulos à perseverança. O seguimento a Jesus não pode ser feito de maneira impensada, apenas como fruto de um entusiasmo passageiro.
Essas duas parábolas denunciam o erro básico de não saber as consequências de um projeto. “Quem não carrega a sua cruz e não vem após mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,27). Quem quiser ser discípulo de Jesus deve colocar-se totalmente a serviço do reino e ser capaz, se preciso for, de enfrentar rupturas com seus familiares. Em caso de perseguição ou outros conflitos, o engajamento do discípulo podia levá-lo a opor-se a seus familiares e até mesmo os esposos (1Cor 7,15). É preciso ser capaz de entregar a própria vida, estar apto para “carregar sua cruz”.
Após contar as parábolas, segue uma terceira exigência: “renunciar a tudo que possui” (Lc 14,33; 18,22). É preciso ser livre para assumir a proposta cristã. No final, Lucas ainda acrescenta um dito de Jesus: “se até o sal se tornar insosso, com que se há de temperar? Não presta para a terra, nem é útil para o esterco: jogam-no fora” (Lc 14,34-35). Aquele que se coloca no seguimento de Jesus e não aceita as consequências é como o sal que perde seu sabor, não tem mais utilidade. As pessoas chamadas à vida cristã têm o compromisso de ser o sal que dá novo sabor à vida das pessoas.
No capítulo 15, há três parábolas: a ovelha reencontrada (Lc 15,4-7), a moeda reencontrada (Lc 15,8-10) e o filho reencontrado (Lc 15,11-32). A primeira encontra-se também no evangelho de Mateus (Mt 18,12-14). As três parábolas precisam ser lidas como uma resposta aos v. 1-2: “Todos os publicanos e pecadores aproximavam-se para ouvi-lo. Os fariseus e escribas, porém, murmuravam: ‘Esse homem recebe os pecadores e come com eles!’”.
A mulher procura por sua moeda perdida. Ela possui apenas dez moedas, portanto uma representa parte considerável de suas economias. É uma mulher pobre, por isso a sua busca é minuciosa. Ao encontrar a moeda, a mulher se alegra profundamente e partilha dessa alegria com suas amigas e vizinhas. O enfoque é colocado na alegria de reencontrar o objeto perdido. A alegria da mulher é comparada à alegria de Deus pela conversão de um só pecador.
A parábola do pai misericordioso é uma história que sempre nos inquieta e nos convida a refletir sobre as nossas atitudes.
Vejamos as atitudes das principais personagens:
a) O filho mais novo (Lc 15,11-20a): gasta seus bens levando uma vida devassa (Lc 15,13). Longe de casa e sem condições de sobreviver, o filho mais novo passa fome, procura emprego e começa a cuidar de porcos, animais considerados impuros (Lv 11,7). Para os judeus, cuidar de porcos é uma situação considerada humilhante e degradante! No fundo do poço, ele faz memória da casa do pai: “Quantos empregados de meu pai têm pão com fartura, e eu aqui, morrendo de fome!” (Lc 15,17). O filho mais novo “partiu e foi ao encontro de seu pai” (Lc 15,20). Ao pedir a herança e o direito de usá-la, o filho mais jovem rompe com o pai, com o irmão mais velho e com as pessoas do povoado. É uma atitude imperdoável.
b) O pai (Lc 15, 15b-24): ao ver o filho mais novo voltar, o pai “encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos” (Lc 15,20b). O amor do pai o faz abrir mão de sua dignidade pessoal: ele levanta a sua túnica e sai correndo ao encontro de seu filho mais novo. O pai não quer que seu filho seja rejeitado ou hostilizado pelas pessoas do povoado; com seus gestos de acolhida, mostra a todos que o filho está sob a sua proteção.
Quando o filho mais novo consegue falar e pedir perdão, o pai nem sequer o escuta direito, mas logo pede aos servos para que tragam a melhor túnica para o filho mais novo. A melhor vestimenta normalmente era destinada ao pai. O mais novo é acolhido como filho: “ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés” (Lc 15,22). O pai vai além, manda preparar um banquete com o novilho cevado, animal reservado para as grandes festas. O pai não cabe em si de contente e quer festejar, “pois este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi reencontrado!” (Lc 15,24).
O pai também toma iniciativa e vai ao encontro do filho mais velho. Este reclama contra o pai por nunca lhe ter dado uma festa e ainda despreza seu irmão, referindo-se a ele com desprezo: “este teu filho” (Lc 15,30). O pai mantém sua relação paternal com o mais velho chamando-o de “filho” e ainda reafirma a irmandade com o mais novo: “esse teu irmão” (Lc 15,32).
c) O filho mais velho (Lc 15,25-28a): como sempre, o filho mais velho estava trabalhando no campo. Um filho fiel, responsável, cumpridor de seus deveres. Era um dia normal de trabalho, por isso, ao voltar do campo, ele não entende o que está acontecendo e ouve a seguinte explicação: “É teu irmão que voltou e teu pai matou o novilho cevado, porque o recuperou com saúde” (Lc 15,27). Ele “ficou com muita raiva e não queria entrar” (Lc 15,28a).
Recusando-se a entrar na festa, o filho mais velho, que até agora tinha sido exemplar, ofende e desrespeita seu pai diante de todas as pessoas presentes e menospreza seu irmão. O filho mais velho não entendeu a lógica da casa: ele não se sente filho. Ele não é como o pai, que está sempre de braços abertos para acolher e perdoar. O convite para entrar e participar da festa continua… Nem todos entraram para participar da festa, alguns se converteram e entraram. Será que nós participaríamos da festa?
Ao ser demitido, o administrador busca uma solução rápida para garantir o seu futuro. “Que farei, uma vez que meu senhor me retire a administração? Cavar? Não tenho força. Mendigar? Tenho vergonha… Já sei o que farei para que, uma vez afastado da administração, tenha quem me receba na própria casa”. O administrador só pensa em si mesmo, em achar uma forma de ficar bem, mesmo que seja à custa de seu senhor.
O administrador beneficia duas pessoas: uma que devia cem barris de óleo e outra cem medidas de trigo, e propõe a redução das dívidas. Um novo registro das dívidas é providenciado por escrito. Que quantidades são essas? É difícil saber ao certo, estima-se algo em torno de 3.500 litros de óleo e 2.000 litros de trigo. Em todo caso, o administrador concede um abatimento muito generoso.
A estratégia do administrador é elogiada! Como? O senhor não louva a desonestidade do administrador, mas a sua astúcia e habilidade para encontrar uma saída para a sua situação: “Os filhos deste mundo são mais prudentes com sua geração do que os filhos da luz” (Lc 16,8). Da mesma forma que o administrador agiu com rapidez para sair de sua crise, os crentes deveriam reagir na ordem da fé. O acolhimento do Evangelho deveria mobilizar nossas energias para tornar presente o Reino de Deus.
Na parábola do homem rico e de Lázaro há duas partes, a primeira apresenta o contraste entre o rico e o pobre (Lc 16,19-23); a segunda, o diálogo entre o rico e o pai, Abraão (Lc 16,24-31).
A narrativa descreve o modo de vida de um homem rico e o de um pobre. O rico está revestido de púrpura e de linho fino, o que era próprio dos trajes reais, e cotidianamente se banqueteia; o pobre, ao contrário, está coberto de úlceras e passa fome. O rico permanece no anonimato e o pobre é chamado pelo nome Lázaro, cujo sentido pode ser “Deus socorre” ou “Deus ajuda”. O nome Lázaro resume a narrativa: o pobre desprezado nesta vida conta com a ajuda de Deus.
Por que o rico sofre num lugar de tormentos? Não há acusações morais contra o rico, ao contrário, ele é tratado de maneira terna: “filho” (Lc 16,25). O seu erro foi a falta de solidariedade e sua indiferença para com pobres: “quando deres uma festa, chama os pobres, estropiados, coxos, cegos, feliz serás, então, porque eles não têm com que te retribuir. Serás, porém, recompensado na ressurreição dos justos” (Lc 14,13-14). O dinheiro do rico não tem utilidade na outra vida. Talvez o problema do rico seja o mau uso do dinheiro.
Diante da insistência do rico para que Lázaro seja enviado para avisar a seu pai e a seus irmãos, temos a seguinte resposta: “Eles têm Moisés e os Profetas; que os ouçam” (Lc 16,29). A Lei e os profetas com frequência insistem no amor ao próximo, portanto é necessário acolher a Palavra e não ficar esperando uma intervenção miraculosa. Essa parábola é um grito contra a insensibilidade diante da realidade de sofrimento e de miséria de tantas pessoas.
A parábola do fariseu e do publicano é contada para algumas pessoas que se achavam justas diante de Deus. O fariseu, homem piedoso e fiel à Lei, vai ao templo para rezar. A sua ação de graças é por todo o bem que ele próprio faz. Ele exalta a sua justiça e despreza a dos outros: “ladrões, injustos, adúlteros, nem como este publicano” (Lc 18,11). A segurança do fariseu está no cumprimento da Lei.
De acordo com o evangelho, os fariseus jejuam e fazem orações (Lc 5,33), pagam o dízimo sobre todos os produtos que colhem (Lc 11,42) e se consideram justos diante de Deus (Lc 16,15). Esses elementos estão presentes na oração do fariseu no templo.
O publicano é desprezado pelos que se acham justos, mantém-se à distância e reza: “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador!”. Ele assume a sua condição de pecador e suplica o perdão de Deus (Lc 18,13). O pecado dos publicanos era o de exigir, em seu próprio proveito, mais impostos do que era prescrito: “Alguns publicanos também vieram para ser batizados e disseram-lhe: ‘Mestre, que devemos fazer?’. Ele disse: ‘Não deveis exigir nada além do que vos foi prescrito’” (Lc 3,12-13).
O fariseu, que se achava justo diante de Deus, voltou para casa não justificado. O publicano experimenta a misericórdia de Deus e volta justificado. “Todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18,14; cf. 14,11).
O fariseu age de maneira errada em relação a Deus e às pessoas. Ele é autossuficiente e não há mais espaço para nada em sua vida. Essa atitude deve ser evitada pelos que se colocam no seguimento de Jesus. Ao contrário, o publicano reconhece a sua condição e se abre para acolher a graça de Deus. Muitas vezes nós podemos pensar que somos melhores do que outras pessoas ou grupos, esquecendo-nos de que a compaixão de Deus é para todas as pessoas.
O autor do evangelho de Lucas é mestre na arte de contar parábolas. A parábola tem o fascinante poder de atrair os ouvintes, levando-os a refletir a partir da vida. A identificação é quase sempre imediata. As parábolas que aparecem exclusivamente no evangelho de Lucas são apelos para as comunidades retomarem a prática de Jesus. Essas parábolas foram contadas para as comunidades lucanas, mas também para nós: “Senhor, é para nós que estás contando essa parábola, ou para todos?” (Lc 12,41).
As parábolas recordam valores que devem ser prioritários na vida cristã: o amor ao próximo, o cuidado com os pobres e a oração. É preciso “entrar pela porta estreita”, sermos fiéis às exigências do Evangelho e abertos para acolher a graça de Deus em nossas vidas. É preciso reconhecer o Deus da gratuidade e se tornar semelhante a ele: “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso” (Lc 6,36). Que a leitura e a reflexão das parábolas possam produzir frutos de vida em nossas vidas!
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