As seguintes pessoas, santas e mártires de hoje, ligadas à luta pela terra (Margarida Alves), pela ecologia (entre outros, Chico Mendes), pela liberdade (um exemplo, Zumbi), deram suas vidas em favor da vida. Foram pessoas que tiveram a coragem de denunciar as situações de injustiça, de violência, de pobreza e de miséria nas quais vivem milhares de nossos irmãos e irmãs.
- Na família, na comunidade, no trabalho, na cidade, nós conhecemos pessoas que sofrem por causa do serviço da justiça e da solidariedade?
Ainda hoje encontramos pessoas corajosas, que assumem com garra a luta por condições dignas de vida. A comunidade de João assume o projeto de Jesus.
Os cristãos puseram a vida acima da Lei. Essa atitude mexeu no sistema econômico e religioso dos judeus fariseus, por isso os cristãos foram perseguidos e acabaram expulsos da sinagoga, uma organização que garantia a vida e a proteção das pessoas que estavam a favor do sistema. Dessa forma, a vida para as pessoas ou grupos excluídos da sinagoga tornou-se mais difícil: ficavam sem proteção, sem emprego, sem os serviços religiosos, principalmente sem o lugar para ser enterrado, sem direito à participação nas decisões da comunidade e expostos à perseguição do império romano. Vamos ler Jo 15,1-17 e procurar perceber qual era a fonte de força (a mística) que sustentava a vida da comunidade.
Situando o texto: Os capítulos 13 a 17 do Evangelho de João constituem o chamado Livro da Comunidade. São princípios orientações práticas dirigidas aos discípulos e às discípulas para desenvolverem uma vivência comunitária capaz de sustentar, animar e ajudar a permanecer fiel nas perseguições.
Como já falamos, neste período, por volta do ano 90 d.C., os cristãos estavam sendo perseguidos pelas autoridades do judaísmo oficial e pelo império romano (11,53; 12,10). Fora da sinagoga, as condições de vida eram muito difíceis. Por uma questão de sobrevivência, muitos estavam abandonando a comunidade cristã.
No Livro da Comunidade (13-17) há uma série de discursos que têm como objetivo ajudar as pessoas a permanecer fiéis ao projeto da justiça e da solidariedade. Daí a insistência na palavra "permanecer" em Jo 15,1-17 (onze vezes). É a convivência na comunidade que sustenta a fidelidade. São as pequenas conquistas que ajudam as pessoas a não desistir do projeto comunitário.
A comunidade joanina estabelece para si alguns princípios, entre eles destacamos:
- Deus está presente em cada membro da comunidade (14,20.23).
- Consciência da igualdade: é uma comunidade sem hierarquia, tanto na realidade vivida em família como em grupo. Uma comunidade que busca eliminar as diferenças entre patrão e empregado, servo e senhor, em que todos são discípulos e discípulas de Jesus, chamados a servir e amar até o fim (13,1.14-15;15,12-13).
- Na comunidade ninguém é excluído, nem mesmo o inimigo (13,26).
- O amor mútuo é a força que cria e unifica a comunidade: Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros. Nisso conhecerão todos que sais meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros (13,3435; 15,12; lJo 4,11).
- A prática do serviço e da solidariedade é conseqüência natural da vivência do amor (13,14-15; 15,13).
- A nova sociedade exige romper com o sistema injusto e não ter medo da perseguição, tortura, exclusão e morte (15,18-16,4). A ordem é resistir!
- A comunidade cristã continua a missão de Jesus (17,18-20).
O que une e dá nova vida à comunidade são as novas relações fundadas no amor e no compromisso. No capítulo 15,1-17 o símbolo da videira e os ramos é um exemplo que nos ajuda a compreender melhor o sentido de permanecer, de continuar, de resistir e de amar até o fim.
Comentário ao texto: No Antigo Testamento, a vinha era uma imagem muito usada para representar o povo de Israel (Os 10,1; Is 5,1-7; Jr 2,21; Sl 80,9). A imagem da videira e os ramos era uma linguagem do cotidiano, fácil de compreender, pois o cultivo de uvas na região era muito comum nos tempos antigos. Todos conheciam os cuidados que se devia ter com uma vinha.
Uma vinha necessita ser protegida (Pr 24,31), capinada (Pr 24,30), irrigada (Is 27,3) e podada (Jo 15,2), cuidados que exigem tempo e dedicação. Dizer que o povo de Israel é a vinha significa a experiência de seramado/a por Deus, de um Deus que oferece carinhos especiais, um Deus que é seu aliado na luta pela vida. Um Deus peregrino como o povo e sempre presente. E a comunidade joanina renova essa mesma experiência: ela sente, através de Jesus, Deus como parceiro em suas buscas de melhores condições de vida.
A imagem da videira e os ramos nos ajuda a compreender a origem e a vivência da comunidade. Numa videira, todos os ramos estão ligados ao tronco. É dele que vem a seiva, a essência que garante a vida. Para que o ramo continue vivo, ele depende do tronco. Cada ramo se desenvolve de maneira diferente, porém todos bebem da mesma fonte. O fruto é o resultado da ligação entre as raízes, o tronco, os ramos e as condições necessárias para que a planta se desenvolva. O que faz circular a vida é a seiva.
No Evangelho de João, ao aplicar essa imagem à comunidade, podemos entender o seguinte: a comunidade cristã tem a sua origem em Jesus. É ele que convoca a comunidade e lhe dá unidade, e faz desse grupo filhos e filhas de Deus (1,12). O amor é que une as pessoas e também é condição para que Deus faça sua morada na comunidade (1,14; 15,10). O único fruto que se espera dessa comunidade é o amor: "Isto vos mando: amai-vos uns aos outros" (15,17;13,34).
A comunidade se constrói na convivência, que se baseia no amor e se expressa no empenho concreto das pessoas para defender a vida. Esse caminhar não é muito fácil, não. Há sofrimentos que podemos comparar com as podas. Porém, elas são necessárias para que se produzam mais frutos, e frutos de vida. A vivência dos cristãos, do projeto de amar até o fim, entra em confronto com a sociedade injusta; portanto, permanecer implica correr risco de vida!
A nova comunidade tem sua prática baseada na nova justiça e em novas relações: "Eu vos chamo de amigos ... eu vos escolhi" (15,15-16). Numa comunidade de amigos e amigas, todos são iguais, ninguém é estrangeiro ou estrangeira. O sonho da comunidade joanina era viver e construir uma sociedade baseada no amor, na partilha e na solidariedade.
Nesse projeto, Deus se manifesta como Pai-Mãe, aquele que chama a comunidade à vida. O Deus Filho se manifesta no amor presente e atuante no meio da comunidade. E quem sustenta, anima e ajuda na resistência é o Espírito de Deus, que é dinamismo, vida nova, seiva que faz circular a vida.
Aprofundamento: O que é a Trindade? Em todo o Evangelho de João é possível perceber uma preocupação concreta com os problemas que a comunidade está vivendo. A proposta cristã é um projeto voltado para os pobres, doentes, marginalizados e oprimidos. Um projeto cuja essência é o amor vivido de maneira plena, no cuidado amoroso de uns para com os outros.
Quem ajuda a comunidade a permanecer firme nesse novo projeto é o Espírito de Deus, a seiva, aquele que permite a cada membro perceber e intuir as necessidades concretas da comunidade, de cada pessoa, e entrar na luta pela vida. Uma luta que implica risco de vida. E só aceitamos correr esse risco quando amamos. Portanto, a comunidade de João procura manter vivo o amor, o único mandamento de Jesus para a comunidade. É no amor que Deus se faz presente: "Se alguém me ama, guardará minha palavra e o meu Pai o amará e a ele viremos e nele estabeleceremos morada" (14,23).
Essa experiência é a vivência da Trindade, que só é possível compreender através do amor. Mas o que é viver a Santíssima Trindade? Diante dessa pergunta, uma criança de 9 anos, com os braços abertos, disse: É a gente viver o amor em comunidade, e pronto! Os braços bem abertos complementam as palavras. Na realidade é isso: à medida que abrimos nossa casa e nosso coração para acolher as pessoas é que nos tornamos mais próximos de Deus e vivenciamos a experiência de Deus comunhão: vida, amor e comunidade - Pai, Filho e Espírito Santo.
A comunidade de João também viveu a sua experiência da Trindade de maneira muito concreta. Ela apreendeu que existia uma profunda sintonia entre Jesus e o Pai: Eu estou no Pai e o Pai em mim (14,11); eu e o Pai somos um (10,30). Só conhecemos o Pai através do seguimento a Jesus (14,6). E a vida de Jesus é doação total de si. Seguir Jesus exige assumir a sua prática: "Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (15,13).
Amar até o fim (13,1) era o objetivo da comunidade de João. Assumir esse compromisso tornou-se realidade pela presença do Espírito, aquele que é o doador da vida e que orienta a comunidade em sua prática da justiça (14,26; 16,13). O Espírito é o protetor e defensor, aquele que consola e sustenta na provação (15,26;16,8-10). Enfim, a comunidade viveu a experiência do Espírito como vento que sopra onde quer (3,8), como aquele que protege a comunidade em todas as circunstâncias, como água viva que sempre se renova (7,38), produzindo nova energia, novo vigor, e tornando as pessoas capazes de viver a solidariedade, a partilha e o amor até o fim.
No Evangelho de João, a experiência da Trindade é expressa no novo relacionamento entre as pessoas. Através do relacionamento com os irmãos e irmãs nos relacionamos com Jesus; aproximando-nos de Jesus, nos aproximamos do Pai, que faz surgir em nós uma nova vida: a prática do amor solidário (lJo 4,12.20-21; Mt 25,31-46).
A imagem da videira ajuda-nos a perceber a profunda unidade que existe na nova comunidade. Ela faz a experiência de Deus que cuida, protege e lhe garante vida nova (10,1-6). Hoje somos chamados e chamadas a refazer a nossa experiência da Trindade, a renovar o sentido de viver em comunidade e deixar-nos conduzir pelo amor que possibilita o nosso empenho concreto em favor da vida. No próximo encontro vamos conhecer, mais de perto, a comunidade de Betânia: Lázaro, Maria e Marta, a comunidade do amor e da vida.