O que significa viver em comunidade? Viver em comunidade é...
osidade: O nome Lázaro em Hebraico significa "Meu Deus ajudará", e a história da sua ressurreição faz justiça ao nome. Quando a notícia da doença de Lázaro chega até Jesus, ele decide esperar dois dias. Finalmente ele chega em Betânia (em hebraico: "casa do pobre") quatro dias após a morte de Lázaro. Maria, a irmã de Lázaro, diz que se ele tivesse chegado a tempo, Lázaro ainda poderia estar vivo. Jesus então ressuscita Lázaro. Ao ler esta história, não prestamos atenção em um ponto de referência cultural judaico que faz toda a diferença. Nos tempos antigos, muitos judeus acreditavam que após a morte, a alma paira sobre o corpo tentando voltar por um período de três dias. Esses são os três dias de ressurreição. Agora as coisas ficam mais claras. Jesus programou sua chegada em Betânia para o quarto dia após a morte de Lázaro, para mostrar que seus poderes de ressurreição não se limitavam a três dias, como ele disse: "Eu sou a ressurreição e a vida. Aqueles que acreditam em mim, mesmo após a morte, viverão" (João 11:25) |
A comunidade joanina estava passando por um momento muito difícil. Os cristãos estavam sendo perseguidos, torturados e alguns foram mortos. Outros abandonaram a comunidade. Diante dessa situação, eles relembram a história da família de Lázaro, Marta e Maria, da comunidade de Betânia, que significa "casa do pobre". Nessa comunidade encontramos Lázaro, cujo nome significa "Deus que ajuda", aquele que não abandona; Maria, aquela que é muito "amada" por Deus; e Marta, "a dona da casa", mulher sensível e acolhedora.
A comunidade era formada por pobres, preferidos e amados por Deus; de pessoas que acolhem, amam e servem uns aos outros. Essa vivência é muito importante para resistir às perseguições.
Vamos ver (Ler 11,1-44) como essa comunidade viveu a sua fé e o seu testemunho e depois ver no texto quais são os personagens que aparecem, as palavras que mais se repetem e os gestos que nos falam do amor que havia entre aquelas pessoas.
Situando o texto: A ressurreição de Lázaro é o maior sinal realizado por Jesus: é a vida que supera a morte (20,11-18). Ao mesmo tempo, é um anúncio do grande sinal: a ressurreição de Jesus. O projeto de Jesus de uma nova sociedade baseada no amor e na partilha continuou vivo nas primeiras comunidades cristãs. E hoje, as comunidades tentam seguir as marcas deixadas pelos primeiros seguidores e seguidoras de Jesus.
Em Jo 11,1-6 a palavra "doença" aparece 5 vezes. A repetição desse termo reflete a situação de sofrimento e morte provocada pela perseguição. Os judeus que abraçaram a fé cristã foram perseguidos pelo império romano e pelas autoridades judaicas, por isso estavam vivendo uma situação de miséria, sem auxílio e sem proteção. De um lado, o sofrimento econômico: muita gente estava passando fome. De outro, o sofrimento religioso: os pobres e os doentes se sentiam castigados por Deus.
De acordo com a teologia da retribuição, a pessoa justa, observante da Lei, era abençoada com vida longa, descendência e prosperidade (Dt 8,1). A pobreza, a doença e a morte eram vistas como castigo de Deus. Jesus, com sua prática, rompe com essa mentalidade, e a comunidade, baseada na prática de Jesus, afirma: "...a doença não é mortal, mas é para a glória de Deus, para que, por ela, seja glorificado o Filho de Deus" (11,4).
Comentando o texto: Na comunidade joanina muitos membros estão sendo mortos, porém essas mortes ganham um novo sentido: são fontes de vida e comprovam a prática da comunidade. Lázaro, Marta e Maria representam a comunidade de Betânia, comunidade em que circula uma profunda relação de amizade e amor entre os membros (11,3.5.11.35), capaz de gerar vida nova. Uma comunidade que necessita da presença de Jesus. No capítulo 11 do Evangelho de João vemos que, na ausência de Jesus, há doença (11,6), morte (11,17), sofrimento (11,19), desânimo (11,20). Com a presença de Jesus, as pessoas voltam a acreditar na vida (11,25-27), saem de sua inatividade (11,20.29: atitude de Maria antes e depois), surge a solidariedade (11,33-35) e a vida nova (11,43-44).
Jesus recebe o recado, enviado por Marta e Maria, de que Lázaro está doente (11,3). Marta e Maria são irmãs de Lázaro. O termo irmão era um tratamento muito comum entre os cristãos após a ressurreição de Jesus (11,1; Ef 6,23; Gl 1,2). Outro modo de tratamento familiar entre eles era amigo (11,11). Lázaro é o único enfermo que recebe nome próprio (4,46b; 5,3; 9,1). Lázaro é discípulo, tem identidade, é amado: "Vede como ele o amava" (11,36).
Apesar da amizade que une Jesus ao grupo de Betânia, ele demora dois dias para atender o chamado das irmãs. Quando Jesus chega, Lázaro - aquele que Deus ajuda - já está morto há quatro dias. De acordo com a crença daquela época, depois do terceiro dia seria impossível voltar à vida. Jesus encontra um ambiente de luto e tristeza.
Marta, ao receber a notícia de que Jesus está chegando, sai ao seu encontro. A comunidade, na pessoa de Marta, é chamada a crescer na fé, a superar a crença na ressurreição do último dia (11,24) e a acreditar que Jesus não é apenas alguém que faz milagres (11,22), mas é a ressurreição e a vida (11,25). Para ser discípulo e discípula, é preciso superar as crenças antigas. A comunidade faz o seu ato de fé: "Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que devia vir ao mundo" (11,27).
Essa confissão de fé é o ponto alto desse texto, é condição para reavivar a esperança, fazer renascer a vida e unir as pessoas. Marta, por sua própria iniciativa, avisa a irmã de que Jesus está na região e a chama. O recado é dado em voz baixa (11,28). Isso indica que havia hostilidade contra Jesus nos meios oficiais. As comunidades, articuladas principalmente pelas mulheres, sobreviviam às escondidas. Com a presença de Jesus, as pessoas são arrancadas do medo, ganham novo ânimo para a ação (11,29).
O encontro de Maria e Jesus é pleno de sentimentos. Ela se prostra, não tem receio de ser ela mesma, de expressar a sua dor e tristeza. Uma cena comovente: de um lado, estão os judeus que se comovem e choram a morte; de outro, Jesus que se compadece e se comove (11,33). Jesus pergunta: onde o puseram? Maria responde: Senhor, vem e vê. Ir e ver indica proximidade, convivência. Jesus, à medida que se aproxima do sofrimento da comunidade, é solidário e chora (11,35). Ele se dirige ao sepulcro, não para chorar a morte, mas para fazer ressurgir uma vida nova.
Jesus manda retirar a pedra, Marta faz uma objeção: "Senhor, já cheira mal: é o quarto dia!" (11,39). Novamente a comunidade é chamada a amadurecer na fé: "Se creres, verás a glória de Deus" (11,40). O Evangelho de João não usa o substantivo fé, mas sim o verbo crer, para mostrar que a fé é um processo dinâmico que se forja na caminhada, nos acontecimentos e nas experiências que a pessoa/comunidade faz no dia-a-dia.
A vida nova depende da ação solidária e amorosa da comunidade. "E Jesus gritou em alta voz: Lázaro vem para fora!" (11,43). Atenção! É a comunidade que ajuda a ressuscitar Lázaro, desatando-lhe as mãos e os pés. É a comunidade que devolve a vida a seus próprios membros, que se ajuda a libertar-se do medo da morte, do medo que paralisa. No grito de Jesus e da comunidade está o clamor pela vida! Todos e todas são chamados a sair do sepulcro, a assumir o compromisso com a justiça e, se preciso for, entregar a vida livremente: "Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, permanecerá só; mas se morrer, produzirá muito fruto" (12,24; d. 10,18).
Aprofundamento: O que é ressurreição? No antigo Israel não existia o conceito de ressurreição. A pessoa tinha de aproveitar bem a vida, usufruir os bens e as riquezas neste mundo. De acordo com a teologia da retribuição, uma pessoa justa, aquela que cumpria a Lei, era abençoada por Deus com riqueza e vida longa (Dt 5,33; Lv 18,5; Ne 9,29; SI 112,1-6). Quando uma pessoa morria, era colocada no túmulo e daí ia direto para o reino dos mortos, o Xeol. Conforme a concepção da época, o Xeol ficava nas profundezas da terra (J ó 17,13- 16). Onde havia um túmulo, existia um Xeol. A vida era limitada, a morte era vista como castigo e o fim de tudo (Jó 24,19; Sl 55,16).
No Antigo Testamento, a primeira vez que aparece o tema da ressurreição é no livro de Daniel (12,2-3), escrito por volta de 164 a.C. E essa mesma crença também é confirmada no período dos macabeus (2Mc 7,9.11.23; 14,46). Diante dos justos que estavam sendo mortos por defender a Lei e a tradição judaica contra o domínio dos gregos, a idéia da morte como o fim de tudo foi se tornando inaceitável. Dessa forma se fortaleceu o conceito de ressurreição, para dar sentido à morte dos justos e incentivar os judeus na resistência contra os gregos. A idéia de ressurreição caminhou dependente da teologia da retribuição. É o homem justo que ressuscita, e ser justo significava cumprir a Lei. Acreditava-se que os justos ressuscitariam para a vida eterna e os injustos para a vergonha eterna, para o castigo eterno.
Essa mentalidade também fazia parte da comunidade joanina (5,29), porém, diante do contexto de violência, perseguição e morte que ela estava enfrentando, o conceito de ressurreição ganhou novo sentido. Baseada na prática da justiça, do amor e da misericórdia vividas por Jesus, a comunidade fez sua releitura. O conceito de morte na cruz como escândalo foi superado: a cruz passou a ser vista como fonte de vida e conseqüência da prática da justiça e do amor. Aqueles que viviam a prática do amor, solidariedade e misericórdia não morreriam jamais.
A comunidade cristã, através da defesa da vida e do sofrimento do inocente, consegue romper com a teologia da retribuição. Ela se fundamenta na teologia do Servo Sofredor, que por sua prática da justiça e do amor é perseguido (Is 42,1-9), assume a missão (Is 49,1-6), realiza (Is 50,4-11), sofre, morre e ressuscita (Is 52,13-53,12).
Quem assume o compromisso com a justiça entra em confronto com os poderes opressores. O que anima a luta cotidiana é a relação profunda de amor e de solidariedade existente entre as pessoas. Ainda hoje o testemunho de mulheres e homens continua ressoando em nossa vida. Lembramos aqui Margarida Alves, uma líder morta na luta para conquistar a terra, cujo sonho está vivo nas pessoas que continuam nessa mesma luta. Santo Dias, líder sindical, morto por sua luta pelos direitos dos trabalhadores... Porém as comunidades afirmam: Santo, a luta vai continuar, os teus filhos vão ressuscitar...
O sonho de vida digna: terra, trabalho e comida, continua vivo, animando e sustentando a busca de condições dignas de vida. As pequenas conquistas do dia-a-dia, a imensa rede de gestos solidários que nasce e se fortifica nos corações capazes de abrir-se ao amor nos ajudam na fidelidade e no compromisso com a justiça. Na próxima reunião, como num espelho, através de Maria Madalena vamos ver o que sustentava a convivência da comunidade do Evangelho de João.