1 - Acolhida: De diversas formas, experimentamos o amor de Deus em nossas vidas. E o seu amor é concreto: 'Ele enviou seu Filho único ao mundo, para podermos viver por meio dele' (4,9). Vamos abrir nossa mente e o nosso coração para vivenciar o amor de Deus por nós. Invoquemos a presença da Trindade Santa e façamos a nossa oração inicial.
💭 Oração Inicial. Senhor Deus, Pai amoroso e misericordioso, agradecemos por esta oportunidade de nos reunirmos para estudar a Tua Palavra. Que o Espírito Santo nos ilumine, guiando nossos corações e mentes, para podermos compreender a profundidade das lições contidas na Primeira Carta de João.
Que possamos, através deste estudo, fortalecer nossa fé e nosso compromisso contigo, vivendo o amor fraternal que Jesus nos ensinou. Que cada palavra, cada reflexão, toque nossos corações e nos transforme, fazendo-nos instrumentos de paz e amor em nossas comunidades.
Senhor, abençoa todos os participantes!
2 – Motivando a aula de hoje: No encontro anterior, refletimos sobre o amor fraterno. O centro da vida cristã é o amor e a nossa vida só tem sentido quando nos abrimos para a partilha com as pessoas, especialmente as que mais sofrem.
"Por que Deus mandou essa maldita doença para o meu filho?" — pergunta angustiada a mãe que viu seu filho morrer em consequência da AIDS. Outra senhora afirma: "Durante 36 anos, meu marido esteve caminhando comigo, sendo meu parceiro em tudo e, agora, de uma hora para outra, Deus o levou. Não dá para aceitar". O avô angustiado, desabafa: "Não quero saber de Deus, pois ele permitiu que minha netinha caísse do quarto andar e morresse". Outra mãe, com o coração dilacerado, faz o seguinte relato: "Meu filho entrou em depressão, cuidamos dele de todas as formas, mas um dia ele conseguiu escapar e se jogou no trilho do Metrô. Por que Deus não o impediu?".
E os exemplos poderiam se multiplicar. Será que Deus é o culpado? Quem é Deus para nós? Há muitas tentativas de definir quem é Deus. Uma das definições mais belas é que Deus é amor! E quando amamos e somos amadas/ os, experimentamos um pouco da essência de Deus em nós. Se Deus é amor e luz, por que se usa o nome de Deus para explicar os momentos difíceis da nossa vida?
3 — Situando o texto que iremos estudar hoje: 1Jo 4, 7-5,4: A religião a serviço do Império, o mundo do Maligno.
O fundamento básico para o exercício do poder do império romano reside nos recursos militares (Ap 6,18) e na força ideológica e teológica da religião imperial (Ap 13,11-18). O livro do Apocalipse, escrito no final do séc. I ou no início do séc. II, na Ásia Menor, apresenta a imagem do poder tirano do Império e seu imperador da seguinte forma:
A segunda Besta realiza grandes sinais, até de fazer cair fogo do céu sobre a terra, diante das pessoas. Por causa desses sinais que tem a permissão de fazer diante da primeira Besta, ela engana os habitantes da terra. E os convence a fazer uma imagem da Besta que tinha sido ferida pela espada, mas sobreviveu. Ela recebeu a permissão de infundir espírito na imagem da primeira Besta, para que esta imagem pudesse falar. E ainda: podia fazer com que todos os que não adorassem a imagem da primeira Besta fossem mortos (Ap 13,13-15)'
A segunda Besta — os governantes, sacerdotes, profetas do Império (Ap 16,13) — está encarregada de "infundir", propagar e alienar aos habitantes da terra, para adorarem a Besta e aceitarem sua autoridade, como se esta viesse de Deus. Quem não aceita a Besta e sua autoridade não tem participação plena na sociedade, não pode vender nem comprar (Ap 13, 17). A idolatria — culto aos deuses e ao imperador — é tão forte e absoluta, que as pessoas, como os cristãos, são perseguidas e mortas por não adorarem, isto é por não se submeterem e não assumirem os valores da Besta (Ap 13,9-10).
Para fortalecer o poder da Besta, o Império cria e mantém a religião imperial com sua idolatria, teologia e prática religiosa com muitas imagens douradas, grandes santuários e pomposas liturgias para manipular o povo a serviço de seus próprios interesses:
a) A divinização do império romano: "O Dragão entregou para ela (a Besta) seu poder, seu trono e grande autoridade" (Ap 13,2b). No tempo do autor do Apocalipse, o Dragão, a personificação do mal (satanás, diabo, deuses romanos), inimigo de Deus, se encarna na Besta. A teologia imperial alega e propaga assim que os deuses de Roma estão ao lado do império romano e desejam o domínio do império sobre o mundo. Em nome das divindades, Roma tem o direito de ocupar a terra e obter vastas riquezas através de comércio e tributos, e de impor o culto aos seus deuses (Ap 18).
b) A divinização do imperador: "Aqui está a sabedoria: quem for atento calcule o número da Besta; é número de um ser humano; este número é seiscentos e sessenta e seis" (Ap 13, 18). O número 666 é a soma dos valores numéricos das letras hebraicas do nome: César Neron. Historicamente, a Besta pode ser identificada com o imperador Domiciano ou com Nero. O importante para a religião oficial do Império é reconhecer que o imperador é divinizado com título de Senhor, kyrios, como forma de dominação. Ele é proclamado "filho divino" e "salvador", por ser quem estabelece na terra a salvação e a paz definitiva: a pax romana.
c) O culto ao imperador: "Ela (a primeira Besta) teve a permissão de fazer guerra contra os santos e vencê-los. Recebeu também autoridade sobre toda tribo, povo, língua e nação. Então os habitantes todos da terra, aqueles que não têm o próprio nome escrito desde a criação do mundo no livro da vida, adoraram a Besta" (Ap 13,7-8). Um imperador falecido considerado digno de honra podia se tornar uma divindade. Desde o tempo de Augusto (27 a.C.- 14 d.C.), todos os imperadores eram divinizados e cultuados. No fim do século I, tempo de Jo, 1 Jo e Ap, o imperador Domiciano obrigou seus súditos e o povo conquistado a prestar-lhe culto com desejo de centralizar nele o poder e fortalecer a submissão do povo. A adoração ao imperador vivo como deus foi estabelecida por temor.
Assim sendo, a religião imperial com seus deuses, a nação santa de Roma, o imperador chamado "filho divino", e o culto, a festa e os jogos patrocinados pelos imperadores, ou em honra aos imperadores, é uma "arma poderosa" para impor e legitimar o poder e a dominação do Império. A legitimação do poder não somente é efetuada pela brutalidade e violência do exército, pela cobrança sistemática do imposto e pelo monopólio do comércio, mas também pela implantação e propagação da religiã e cultura promovida pelo Império.
Isso confirma que o imperador tirano age como deu "a ferro e fogo". Na sociedade patronal ou hierárquic do Império, o imperador como pai ou "patrão supremo obriga o povo como clientes a submeterem-se a ele par serem beneficiados por seus favores. E, diante dele, o pobres escravos nada são. A dominação e a submissã são a ordem do dia no mundo da concentração de pode e riqueza que o Império promove com o temor ao imperador, filho divino, senhor e salvador.
Ao seguir o evangelho de Jesus, o Messias libertador, o cristianismo nascente entra na contramão dessa ordem do Império. Os cristãos tentam formar a rede de solidariedade e de partilha, buscam superar a escravidão e lutam contra as hierarquias e desigualdades sociais, o que os leva ao conflito e à perseguição da Besta feroz (Babilônia, a Grande): "Em sua fronte estava escrito um nome, um mistério: 'Babilônia, a Grande, a mãe das prostitutas e das abominações da terra'. Vi que a mulher estava embriagada com o sangue dos santos e com o sangue das testemunhas de Jesus" (Ap 17,5-6a). Desde a queda do Templo, por volta do ano 70, Roma fora apelidada de Babilônia.
No meio da perseguição do imperador Domiciano (81-96 d.C.), aquele que exige ser adorado como deus, a comunidade joanina escreve seu evangelho para alimentar e fortalecer a fé em Jesus, o Messias encarnado, a fim de que todos tenham a vida (cf. Jo 6,32-33). No Evangelho, a comunidade apresenta a presença e a revelação de Deus na face de Jesus Cristo, bom pastor, oposto à imagem do imperador, filho divino:
a) Deus é Pai na unidade: "Eu não te peço apenas em favor deles, mas em favor também daqueles que vão acreditar em mim por meio da palavra deles, para que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; para que eles estejam em nós, a fim de que o mundo acredite que tu me enviaste" (Jo 17,20-21);
b) Deus é vida: "E meu Pai quem dá para vocês o verdadeiro pão que vem do céu. Porque o pão de Deus é o que desce do céu e dá vida ao mundo" (Jo 6,32b-33);
c) Deus é amor: "Da forma que meu Pai amou, eu também amei a vocês: permaneçam no meu amor. Se vocês guardarem os meus mandamentos, permanecerão no meu amor, assim como eu tenho guardado os mandamentos do meu Pai e permaneço no amor dele" (Jo 15,9-10).
Uma década depois, a comunidade joanina passa novamente pela grave crise, provocada pelos falsos profetas e anticristos. Escreve as cartas de exortação aos seus fiéis para alimentar a fé em Jesus, o Messias encarnado, que deve ser traduzida em vida concreta: o amor ao próximo. Pois, o Deus de Jesus é amor, não o terror do deus imperador do mundo romano.
4- Comentando o texto: IJo 4, 7-5,4 — Deus é amor!
"Amados, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus. E todo aquele que ama, nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor" (4,7-8), exorta o autor, salientando pela terceira vez (2,3-11; 3,11-24), o amor como o caminho cristão, pois é próprio de Deus. Ele não é terror com 0 qual 0 Império promove a dominação no mundo e persegue os cristãos. Ao contrário, Deus criador ama todos os seres vivos: "Tu amas tudo o que existe, e não detestas nada do que fizeste" (Sb 1 1 ,24a), declara o autor do livro da Sabedoria.
Deus é amor! Quem ama conhece Deus. O verbo "conhecer" ocorre 25 vezes só na primeira carta de João, exprime o conhecimento não pela teoria, mas sim pela experiência concreta: o amor ao próximo. Por amor, Deus enviou e encarnou seu Filho no mundo para demonstrar o caminho, a verdade e a vida: "Deus enviou seu Filho único ao mundo, para podermos viver por meio dele. É nisto que está o amor: Não é que nós tenhamos amado a Deus, mas foi ele que nos amou e enviou seu Filho para expiação de nossos pecados" (4,9-10; cf. Jo 3,16).
A primeira carta de João, IJo 2,1-2, retoma o evangelho de João, no qual Jesus Cristo, o Justo, é oferecido pela expiação dos "pecados do mundo inteiro". O "pecado" é compreendido pela comunidade joanina, como a insensibilidade, o egoísmo e a falta de solidariedade, que provocam a indiferença frente às injustiças. "Eles (o império romano) receberam autoridade sobre a quarta parte da terra, para poderem matar pela espada, pela fome, pela peste e pelas feras da terra" (Ap 6,8b), descreve o livro do Apocalipse sobre a injustiça praticada pela dominação romana. A injustiça reina no mundo da Asia Menor do fim do século I ou no início do século 11., o mundo da primeira carta de João. O pecado, a injustiça e a morte, devem ser expiados!
Para os cristãos, Jesus Cristo é o Filho enviado por D eus, Salvador e o Messias encarnado pelo caminho de justiça e de amor, para purificar e desfazer o pecado (cf. I ,7-9; 2,2; 3,5-8): "E nós temos visto e testemunhamos que 0 Pai enviou o Filho como salvador do mundo" (4,14); Quem acredita que Jesus é o Messias, nasceu de Deus. E quem ama aquele que gerou, ama também aquele que foi gerado por ele" (5, 1). Na vivência do amor, Jesus luta COntra o pecado e a injustiça, sofre com a perseguição e o Filho de Deus. Não existe acordo entre o mundo e a comunidade cristã. Aliás, como os falsos profetas e os anticristos, o cristão que nega Jesus feito carne e afirma viver na comunhão com Deus, pelo conhecimento, sem amar o próximo, está em sintonia com os valores do mundo, ou seja, da realidade de injustiça.
Mas o cristão que traduz a fé na ação concreta segundo o evangelho de Jesus, o Messias encarnado, vive debaixo de suspeita e pressão e basta um passo para a perseguição aberta. Até dentro da comunidade, os fiéis da primeira carta de João enfrentam desentendimentos e conflitos, provocados por um grupo de anticristos. Haja coragem, resistência e esperança: "Porque todo aquele que nasceu de Deus vence o mundo. E esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé" (5,4; cf. 2,14; Jo 16,33).
"Nossa fé" acolhe o projeto da vida que Deus realiza na vivência de Jesus da história. A fé vivenciada pelo amor e pela justiça de Jesus guia, fortalece e anima a ação cristã para que todos tenham a vida, vencendo o mundo do Maligno (cf. 2,13-14).
5- Iluminando a vida: Somos chamadas e chamados a vivenciar o amor de Deus. E essa vivência deve nos impulsionar para o amor fraterno. Deus se faz presente no amor. Não podemos viver uma religião baseada somente em uma fé individual e na participação em rituais, desligada da vida do dia a dia, pois a nossa relação com as pessoas e nossas perspectivas e opções políticas renetem a nossa relação com Deus.
a) A desigualdade social é um mal presente na sociedade que pode ser considerada um "anticristo" como o mandamento do amor pode nos ajudar a modificarmos as estruturas socioeconômicas que causam tanto mal aos mais empobrecidos?
b) Quais as consequências para a nossa vida quando afirmamos que Deus se manifesta em Jesus e no amor fraterno?
6- Celebrando a vida: E assim, chegamos ao final das nossas aulas. A primeira carta de João não nos exorta a amar a Deus, mas sim as pessoas ao nosso redor. Vivemos em um mundo individualista, onde cada pessoa quer ser dona da verdade, muitas vezes sendo intolerante com os demais, com suas maneiras de pensar e viver. Nesse contexto, reafirmamos nosso desejo de viver em comunidade, abrindo-nos para a convivência com diferentes mentalidades e religiões. Rezemos um Pai Nosso em agradecimento a Deus pela oportunidade que tivemos de estudar, de maneira diferente, essa belíssima carta que tem como eixo central a confissão de que Jesus é o Filho de Deus: "Quem confessa que Jesus é o Filho de Deus, Deus permanece nele e ele em Deus" (4,15). Trata-se de uma carta para ser lida, rezada, meditada, contemplada, pois o Amor é um processo permanente em nossas vidas e sempre novo. Amor e conhecimento de Deus são inseparáveis. É amando que Deus permanece conosco! Amemo-nos: condição para superar a realidade de morte.