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2ª Aula: Jesus o Messias Encarnado - 1Jo 1,1-2,2
2ª Aula: Jesus o Messias Encarnado - 1Jo 1,1-2,2

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No texto que dá início à carta, e que vamos aprofundar nesta segunda aula,  o autor se propõe a responder à pergunta: Quem é realmente Jesus? Isso porque ele está preocupado em reafirmar a certeza de que o Messias Jesus é Filho de Deus, e é ele que nos traz a salvação. A fé em Cristo também consiste em experimentar o amor misericordioso, gratuito e benevolente de Deus, por meio das palavras e ações de Jesus de Nazaré. Essa profissão de fé também não é desconectada da vida. Desse modo, o cristão também é desafiado a amar o irmão.

 

Jesus encarnadoMas o que levou o autor a sentir necessidade de escrever esta carta, e, em particular, a se preocupar em refletir sobre quem foi Jesus, o Filho de Deus encarnado?  Nada mais, nada menos porque um grupo de cristãos, membros das comunidades estavam disseminando doutrinas que contrariavam a pregação cristã.

 

Quais foram os motivos de tal ruptura? Podemos assi­nalar quatro. Em primeiro lugar, uma visão diferente acerca de quem é Jesus. O conflito se dá, portanto, no campo da cristologia. Em segundo lugar, desentendimentos quanto ao tema do julgamento final. Em terceiro lugar, uma questão de ética, ligada ao mandamento do amor a Deus, que se expres­sa e se traduz no amor às pessoas. Finalmente, uma questão discutida acerca da presença e da ação do Espírito Santo nas pessoas.

 

O autor das três cartas - que costumamos chamar João - joga duro contra os que se afastam das linhas básicas do Evangelho. Chega a chamá-los de Anticristos (2,18; 4,2-3;2Jo 7); falsos profetas (4,1); enganosos (2,26; 3,7), mentirosos (2,22). Eles abandonaram a fé recebida e levaram à ruptura das relações dentro da comunidade. Era o começo do docetismo. 

 

Docetismo palavra que vem de um verbo grego que significa parecer. Os docetistas afirmam que Jesus não se encarnou e que toda a vida dele – inclusive a sua morte na cruz- foi um “perfeito faz de conta”.

 

Assim: nas novelas da Tv, bem como no teatro e no cinema, os atores  assumem papeis que não têm nada a ver com a vida deles. A vida e os sofrimentos de Jesus não teriam sido coisas reais, mas pura representação. Je­sus, portanto, não teria sido senão um grande ator. É supérfluo dizer que isso implodia os evangelhos e induzia os cristãos a "fazer de conta" que eram cristãos. Em síntese, uma religião de aparências.

 

Podemos ler a primeira carta de João e anotar com quanta insistência o autor tenta ajudar as comunidades a superarem esse conflito. Por exemplo: Logo na abertura da carta temos os verbos: ouvir, ver, contemplar, apalpar, ou seja, Jesus não era uma miragem. Note como os sentidos das pessoas que estiveram com ele estão envolvidos em 1,1: audição, visão, tato. O testemunho que elas dão não é algo banal que se possa pôr em dúvida. Há um acento especial nos sentidos para comprovar a manifestação da Palavra da Vida. Testemunhar que Jesus se fez carne é o tema principal da primeira carta de João, e é também o ponto crucial de desentendimentos e conflitos em algumas comunidades.

 

O grupo que estava disseminando doutrinas que contrariavam a pregação cristã propõe um ensinamento gnóstico (gnosis em grego, conhecimento), afirmando que a pessoa se salva graças a um conhecimento religioso e pessoal de Cristo Jesus, que é Espírito e portador da gnose, o conhecimento que salva. Pelo conhecimento,  sem a prática, eles afirmam estar em íntima comunhão com Deus, ser iluminados e livres do pecado,  sem que isso implicasse amar as pessoas. Esse gesto representava a morte do mandamento do amor. Era o começo de um movi­mento chamado gnosticismo. Por isso, não estão empenhados no amor ao próximo e na prática da justiça (4,20-21).

 

Gnosticismo (ou gnose) foi uma corrente de pensamento muito importante a partir do II século da nossa era. A pa­lavra significa "conhecimento". Era um movimento amplo e bem complexo. Os gnósticos influenciaram profundamente as comunidades do Discípulo Amado. Alguns de seus mem­bros começaram a dizer que conhecer a Deus é pura operação mental, sem nenhum compromisso com as pessoas, criando assim o divórcio entre o amor a Deus e o amor às pessoas. Dessa forma, negava-se um princípio básico das comunidades ligadas a João: provamos que amamos a Deus quando ama­mos as pessoas.

 

Para uma boa compreensão de 1Jo l, 1-2,2  podemos subdividi-lo em três partes. A primeira afirma que Jesus é a Palavra encarnada que nos conduz à comunhão com Deus (1Jo 1,1-4). A segunda seção é constituída por 1Jo 1,5-7 e declara que estar em comunhão com Deus é se comprometer com o caminho da luz. A última parte reto­ma o tema da comunhão, acrescentando a necessidade de reconhecer-se pecador, a fim de estreitar o vínculo com Deus (1Jo 1,8-2,2).

 

1ª Parte: O  autor, tendo consciência de que é cha­mado a anunciar a Palavra da vida (1,1-2) e vendo-se diante dos problemas causados pelos opositores, se propõe a dar seu testemunho como cristão, como aquele que faz a expe­riência de que Jesus é o Filho de Deus e o Messias. Desse modo, inicia a carta afirmando que o que foi experimentado, contemplado “desde o princípio” (1,1a), ou seja, a Palavra da vida, esta será revelada, comunicada, pois é ela que es­tabelece a comunhão.

 

A carta começa convocando os sentidos (audição, visão e tato) para testemunhar Jesus. Jesus pôde ser escu­tado, visto, contemplado e tocado. Há uma sequencia inin­terrupta entre o Pai, o Filho, os que estiveram com Jesus e as comunidades que estes fundaram, e essa sequencia é chamada de comunhão, que gera alegria completa.

 

Esta introdução afirma com força que a Palavra, des­de sempre voltada para o Pai, historicamente encarnou-se em Jesus e se deu a conhecer à humanidade. Este é o con­teúdo do anúncio feito pela carta. Jesus, portanto, não é uma miragem ou sombra, mas uma pessoa concreta, Vida manifestada para todos. Aquilo que parecia impossível para a cultura grega, ou seja, que a divindade se encarnasse, é a suprema revelação do Evangelho de João e desta carta.

 

Assim como o prólogo de João (1,1-18) é a síntese do Evangelho de João, do mesmo modo esta introdução é um resumo de toda a carta. Nela, de alguma forma, podere­mos novamente ouvir, ver, contemplar e apalpar aquele que existia desde o princípio, ou seja, experimentar a Vida.

 

2ª Parte. Mas o que significa estar em comunhão com Deus? A resposta está 1 Jo 1,5-7. Uma vez mais, contrariando os anticristos, que acreditavam que o Batismo era suficiente para conhecerem e estarem em íntima comunhão com Deus, o autor declara que estar em comunhão com Deus é escolher caminhar para a luz (1,6), é desejar viver o pro­cesso de se distanciar das trevas. Significa estar unido a ele e a Jesus, mas também ser próximo dos irmãos.

 

Luz é sinônimo de vida, e trevas são todas as reali­dades que se opõem à vida. Além disso, no Evangelho de João, luz é um dos títulos importantes de Jesus (“eu sou a luz do mundo”-. 8,12a). Claramente a carta afirma que Deus é luz e que nele não existem trevas. Em outras palavras, Deus é vida. Os Anticristos afirmavam estar em comunhão com Deus (1 João 1,6), mas eram descompromissados nas relações concretas, e este representa o segundo nível de conflitos. Todavia, a prática deles desmentia sua união com Deus e seu compromisso com a vida. Por isso o autor os chama de mentirosos e pessoas que não praticam a Ver­dade, ou seja, na prática são infiéis ao projeto de Jesus, que é a vida. Caminhar na luz, portanto, apresenta duas dimensões importantes: estar unido a Deus e a Jesus, e estar em comunhão com a comunidade. Os Anticristos afir­mavam a primeira coisa, mas negavam na prática a se­gunda. Para caminhar na luz, a carta apresenta quatro passos. O primeiro deles é reconhecer-se pecador.

 

3ª passo.  Reconhecer-se pecador – 1,8-2,2.  Buscar a comunhão com Deus, que é Luz (1,5), é reco­nhecer nossa própria fragilidade e é sentir a necessidade de ir ao encontro do outro, por isso, o autor exorta que não existe comunhão com Deus sem que haja comunhão com os irmãos (l,7a.b).  Mas, se estar em comunhão com Deus é caminhar para a luz, afinal, o que é preciso para caminhar para esta luz? 1Jo 1,8-10 nos convida a essa reflexão. Os opositores afirmavam que, estando em comunhão com Deus, estavam isentos de pecado. Contrapondo eles, esses versículos exortam que precisamos reconhecer-nos pecadores. O que é o pecado senão a adesão ao mundo das trevas, comprometido com as injustiças? Sim, o pecado é caminhar em direção contrária à luz! De fato, pecado é a ruptura da Aliança com Deus e, consequentemente, com as exigências desta Aliança, que é amar o próximo e ir ao encontro dos mais necessitados.

 

Esse texto chama nossa atenção para duas formas de olharmos para nossos pecados, com suas consequências. A primeira é negar a necessidade da ação salvadora de Cristo (1,8.10). A segunda é estar abertos à misericórdia, ao amor e à ação redentora de Jesus em nossa vida (1,9). No primeiro caso, estamos enganando a nós e os outros, estamos assu­mindo uma perfeição que não temos, vaidosos por possuir uma verdade que não existe (1,8b). No segundo caso, ao admitirmos nossos pecados (1,9a), temos a chance de encon­trar em Cristo o sentido e a razão da nossa esperança, e ter a oportunidade de prosseguir no caminho rumo à luz (1,9).

 

Reconhecer-se pecador é dizer sim ao caminho de luz, é estar receptivo à Palavra (1,10). É saber olhar, descobrir e compreender o novo rosto de Jesus, aquele que nos purifica de todo pecado (1,7).

 

O tema do pecado, já acenado no trecho anterior, aparece agora de forma insistente. Recorda o nível ético dos conflitos que geraram este texto. Os Anticristos, afir­mando estar em comunhão plena com Deus, diziam tam­bém estar isentos de pecado. De fato, “pecado” no Evan­gelho de João é a adesão ao mundo das trevas, ou seja, estar comprometido com as injustiças que provocam a morte das pessoas.  Recordemos, todavia, a ambiguidade das afirmações dos Anticristos. Por um lado acreditavam- se em comunhão com Deus, e por outro lado negavam isso com o descompromisso nas relações concretas. A car­ta afirma que considerar-se sem pecado é engano. É me­lhor reconhecer os próprios pecados para receber o per­dão do Deus fiel e justo e a purificação de toda injustiça. Por trás da expressão “se dizemos” (1,8.10) estão as afir­mações do grupo dissidente, e o autor da carta responde com energia, dizendo que considerar-se sem pecado é enganar-se e chamar a Deus de mentiroso.

 

Reconhecer-se pecador é o modo adequado para des­cobrir o novo rosto de Jesus. Ele é apresentado como aque­le que “nos purifica de todo pecado” (1,7), “advogado junto do Pai” (2,1) e “vítima de expiação pelos nossos pecados” e “pelos pecados do mundo inteiro” (2,2). 

 

A  temática da ex­piação pelos  pecados e pecados  merece ser aprofundada  e bem entendida, pois há muitas distorções a esse respeito. Quando perguntamos: Por que Jesus morreu na cruz? Jesus Cristo morreu pelos nossos pecados. Essa é a resposta que normalmente se dá para aqueles que perguntam por que o Filho de Deus terminou seus dias na forma mais infame para um judeu, o patíbulo da cruz, a morte dos amaldiçoados por Deus (Gl 3,13).

 

Jesus morreu pelos nossos pecados. Não só pelos nossos, mas também por aqueles homens e mulheres que viveram antes dele e, portanto, não o conheceram e, enfim, por toda a humanidade vindoura. Sendo assim, é inevitável que olhando para o crucifixo, com aquele corpo que foi torturado, ferido, riscado de correntes e coágulos de sangue expostos, aqueles pregos que perfuram a carne, aqueles espinhos presos na cabeça de Jesus, qualquer um se sinta culpado...  o Filho de Deus acabou no patíbulo pelos nossos pecados! Corre-se o risco de sentimentos de culpa infiltrarem-se como um tóxico nas profundezas da psiquê humana, tornando-se irreversíveis, a ponto de condicionar permanentemente a existência do indivíduo, como bem sabem psicólogos e psiquiatras, que não param de atender pessoas religiosas devastadas por medos e distúrbios.

 

Situando o texto: Servo, "vítima expiatória" pelo amor ao próximo até o fim (1s  1Jo 2,2)

 

Um dos textos em que o autor da 1Jo baseia as suas informações sobre Jesus Cristo, sua paixão, morte e  ressurreição, é o Cântico do Servo, sobretudo o quarto cântico (Is 52,13-53,12): “Ele estava sendo transpassado por causa de nossas transgressões, esmagado por nossos pecados. Caiu sobre ele o castigo que nos deixaria em paz, e por suas feridas é que nos veio a cura” (Is 53,5); “Javé queria esmagá-lo com o sofrimento: se ele entrega sua vida em reparação pelos pecados, então conhecerá seus descendentes, prolongará sua existência, e o projeto de Javé triunfará por meio dele” (Is 53,10).

 

Há um problema, porém: Javé esmaga o servo com o sofrimento e a morte? Deus não é o Deus da vida? A morte do servo é um sacrifício expiatório como o sacrifício típico de purificação do pecado no templo (Lv 4-5)? Ele é destinado para sofrer e morrer?

 

Essas perguntas não devem ser respondidas só pela leitura simples do quarto cântico do servo, mas sim pela leitura contextualizada dos Cânticos do Servo. Como já e do conhecimento de todos, o quarto cântico é continu­ação e conclusão de três cânticos anteriores. Vejamos, em síntese, o conteúdo dos quatro cânticos do Servo:

 

 

Primeiro cântico: o servo é chamado para o serviço da justiça (Is 42,1-9) “Eu, Javé, chamei você para a justiça, tomei-o pela mão, e lhe dei forma. E o coloquei como aliança de um povo e luz para as nações, para você abrir os olhos dos cegos, para tirar os presos da cadeia, e do cárcere os que vivem no escuro” (Is 42,6-7). O servo é chamado, enviado e guiado pelo espírito de Javé (Is 41,1). Na missão de promover a fidelidade e o direito entre as nações, ele não usará força nem violência (Is 42,2-3), mas praticará o amor, a ternura e a solidarie­dade com as pessoas empobrecidas e enfraquecidas (Lc 6,20-23).

 

Segundo cântico: O servo assume a missão profética pela salvação (Is 49,1-9a) “Eu ainda estava no ventre materno, e Javé me cha­mou. Eu ainda estava nas entranhas de minha mãe, e ele fez menção do meu nome. Ele fez da minha língua uma espada afiada e me escondeu com a sombra de sua mão. (...) E muito pouco você se tomar meu servo, só para reerguer as tribos de Jacó, só para trazer de volta os sobreviventes de Israel. Faço de você uma luz para as nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra” (Is 49,1-2.6).

 

O servo toma consciência de sua missão profética e se apresenta como o escolhido de Javé desde o ventre mater­no. A missão do servo é anunciar a Palavra, reunir e orga­nizar o movimento da libertação, implicando inclusive na justa distribuição da terra (Is 49,8-9a). A missão ultrapassa a fronteira: ele é chamado para ser “luz para as nações” para reunir os dispersos, os desprezados pelas nações e os escravos dos poderosos (Is 49,6-7; Mc 7,24-30).

 

Terceiro cântico: o servo é perseguido e sofre, mas resiste (Is 50,4-9) “Entreguei minhas costas para aqueles que me que­riam bater e ofereci minha face aos que me queriam arrancar  a barba. Nãoescondi meu rosto dos insultos e escarros. O Senhor Javé vem em meu auxílio. Por isso não me sinto humilhado. Endureço meu rosto como pedra, porque sei que não vou me sentir envergonhado” (Is 50,6-7).

 

A missão do servo, que anuncia a Palavra de Javé e encoraja os fracos e desanimados (Is 50,4), é marcada pela perseguição: humilhação, violência, dor. Porém, o servo não lamenta nem exige vingança. Acreditando no auxílio de Javé, ele resiste. Aqui se atesta que o sofrimento do servo é consequência da sua prática da justiça e da solidariedade com os oprimidos (cf. Mc 8,31-38).

 

Quarto cântico: o servo sofre e morre, mas Javé o faz triunfar (Is 52,13-53,12).  "Quem acreditou naquilo que ouvimos? Para quem foi mostrado o braço de Javé? Ele cresceu como broto na presença de Javé, como raiz em terra seca. Ele não linha aparência nem beleza para atrair nosso olhar, nem simpatia para que pudéssemos apreciá-lo. Desprezado e rejeitado pelos homens, homem do sofrimento e experi­mentado na dor” (Is 53,l-3a).

 

A missão de promover o direito e a justiça gera perseguição e violência para o servo. A dor e o sofrimento são tão grandes que o massacram e desfiguram a sua aparência: ele não parece mais gente (52,14). Mas o servo resiste e dá até sua vida em prol da libertação: "Se ele entrega sua vida em reparação pelos pecados, então conhecerá seus descendentes, prolongará sua existência, r o projeto de Javé triunfará por meio dele” (Is 53,10).

 

O servo justo e inocente morre, mas a sua vida terá  continuidade por meio de seus descendentes, que são  bênção clássica de Javé. O projeto da salvação pela verdadeira justiça triunfará. “Vejam! Meu servo vai ter sucesso, será exaltado e elevado grandemente”, assim descreve o primeiro versículo do quarto cântico (Is 52,13). Javé declara a inocência do servo justo. E sua paixão e morte inocente servirão para levar os demais à justiça e à libertação (cf. Is 53,11-12).

 

Acreditamos ser importante entender os quatro cânticos do servo sofredor para evitar fazer uma leitura fundamentalista. A compreensão desses cânticos possi­bilita entender que o sofrimento e a morte do servo não são castigos de Javé, mas consequências de sua opção pela prática da justiça.

 

No entanto, a pergunta continua sem resposta: Que Javé é esse que quer o sofrimento da pessoa? Como expli­car que Javé queria esmagar o seu servo com sofrimento, dor e morte?

 

Analisando o texto do quarto cântico, percebe-se que o locutor principal, Javé, pronuncia a introdução (cf. Is 52,13-15) e o epílogo (cf. Is 53,11b-12), emoldurando o corpo (cf. Is 53,1-11a ), antecipando e confirmando o triunfo do servo. O corpo é a narração que um grupo, “Nós”, faz da paixão e morte do servo, “Ele”, confirman­do a necessidade do sacrifício expiatório para purificar o pecado.

 

Quem é o grupo “Nós”? A última redação do quarto cântico do servo surgiu por volta do ano 400 a.C., no contexto de uma sociedade governada pelos teocratas, aliados da Pérsia (Esd 7,25-26). Eles, "o Nós”, pregavam a teologia da retribuição com a observância da lei do puro e do impuro: Javé recompensa a pessoa justa com riqueza, saúde, descendência e vida longa (Lv 2-6). Po­breza, doença e esterilidade são consideradas sinais do pecado e da maldição de Deus (Dt 7,12-15; cf. Sb 3-5). À única forma de voltar a Deus é observar a lei do puro e fazer o sacrifício de purificação, que inclui a entrega de ofertas para os sacerdotes do Templo (Lv 11-14). É a importância da purificação do pecado pelo sacrifício expiatório: apresentação do “cordeiro expiatório” no Templo (Lv 5,1-26)!

 

O “Nós”, o coral, retoma a palavra: “Mas ele (servo) estava sendo transpassado por causa de nossas trans­gressões, esmagado por nossos pecados. Caiu sobre ele o castigo que nos deixaria em paz, e por suas feridas é que nos veio a cura. Todos nós estávamos perdidos como ovelha: cada qual se desviava pelo seu próprio caminho. E Javé fez cair sobre ele os pecados de todos nós. Oprimido, ele se humilhou, não abriu a boca. Como cordeiro levado no matadouro" (Is 53,5-7a).

 

Portanto, o Javé, que se apresenta e esmaga o servo, conforme o quarto cântico, é o Deus poderoso e castigador do Templo (Jó 24,10). Ele se diferencia de Javé que confirma a inocência do servo e o glorifica, no prólogo i epílogo do cântico. A concepção de um Javé poderoso e castigador é contrária à experiência de um Javé que acopanha  auxilia, e defende os pobres, e envia o servo apresentado nos demais cânticos do servo.

 

Ao afirmar que “se ele entregar sua vida em reparação pelos pecados” (Is 53,10b), o autor apresenta a teologia da gratuidade, do amor e da doação, criticando a teologia da retribuição e a imagem do Deus castigador.  Ao mesmo tempo, ele afirma que o sofrimento do povo na realidade não é castigo de Deus por causa do pecado, mas é fruto da injustiça e da opressão que desfiguram as pessoas “não como gente”. É necessário devolver a ver­dadeira justiça e vida a muitos (Is 53,11). É a missão do  servo e a de todos nós. O sofrimento e a morte do servo são consequências de sua missão, tal como será a morte de Jesus (Mc 14,24).

 

As comunidades acreditam que o servo é Jesus de Nazaré! Elas citam ou aludem aos cânticos do servo, conforme seus contextos. Por volta do ano 100 d.C., a  comunidade joanina faz a releitura dos quatro cânticos do servo para descrever Jesus Cristo e a sua mensagem. Ela compreende o pecado como a prática da injustiça que provoca a morte das pessoas que lutam pela justiça e também dos pobres injustiçados. Para a comunidade, Jesus, o “o Eleito de Deus”, “o Filho de Deus” (Jo 1,34; Is 42,1) e o "servo fiel e justo” (1,9), é o servo chamado para o “serviço da justiça” (Is 42,1-9) para purificar o pecado, que é compreendido como a prática das injustiças que provocam a morte das pessoas, ou seja, “toda injustiça” (1,7-9). Ele, o Justo (2,1), sofre com a perseguição e vio­lência por causa da sua luta contra o pecado (Is 50,4-11), e morre como a “vítima expiatória” pelo amor aos outros até o fim (2,2; Is 53,10).

 

“O servo fiel e justo”, "o sangue de Jesus, o seu Filho, nos purifica de todo pecado”, "a vítima de expiação”... Por que a comunidade joanina insiste tanto na purificação do pecado pelo Justo? Na realidade, a comunidade enfrenta, em seu seio, o grupo chamado de "Anticristo”, que não reconhece nem Jesus Justo, nem o pecado. Ao afirmar ter o conhecimento especial, religioso e pessoal de Deus, o grupo acredita que está em perfeita comunhão com Deus e não tenha pecado. Ele nem acredita na paixão e morte de Jesus, nem tampouco no amor sacrificial de Jesus de Nazaré a serviço da justiça e da vida. A comunidade joanina combate e responde a esse grupo em 1 Jo 1,5-2,2.

 

O início desta carta (1Jo 1,1-2,2) nos convida, portanto, a tomarmos consciência de que a Palavra de vida tomou-se um evento que precisa ser anunciado, comunicado, testemu­nhado. Essa vida se expressa no amor fraterno, nos conduz à vida eterna e nos faz trilhar o caminho da luz. Mas isso só é possível se estivermos encharcados da mais profunda ex­periência de Jesus Crucificado e Ressuscitado, que se revela na história, alimenta nossa vida e nos concede a capacidade de vivê-la de acordo com “tudo o que vimos, ouvimos, con­templamos e apalpamos do Verbo da Vida” (1 Jo 1,1).

 

Responder

a) Qual o conceito de pecado para a comunidade joanina?

b) Quem é Jesus para o autor da carta?

c) Quais as condições para a comunhão com Deus?

 

A comunhão com Deus só se torna verdadeira quando se é capaz de partilhar a vida com os irmãos e as irmãs. Muitas vezes, por causa das nossas fraquezas e limitações, aderimos aos apelos da sedução do poder e da riqueza, rompemos a comunhão com as pessoas. Porém, por meio de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, somos perdoadas/os diante do reconhecimento e da confissão dos nossos pecados. No seguimento de Jesus, Servo Sofredor, somos chamadas/os a lutar e a insistir contra toda forma de indiferença, de injustiça e de morte.

a) Quais são os pecados e como eliminá-los da nossa comunidade?

b) Numa sociedade que cada vez mais inverte os valores evangélicos, como testemunhar Jesus Cristo, que insiste em nos apontar o caminho do amor?

 

Para a próxima aula, ler 1Jo 2,12-17,  e procurar perceber as realidades de trevas/injustiças e violências que existem em você, em sua família, em sua comunidade e no seu trabalho e procurar caminhos para dar passos em vista da comunhão com Deus e com as irmãs/os.

 

 

Aprofundamento:

1 - Jesus, a morte de um preso político

2 - Jesus morreu por enfrentar o sistema

3- Por que querem matar jesus

 

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