Ainda ressoam, com acerto, entre os ruídos do mundo contemporâneo e os heróis cristãos do século 21, as palavras escritas por Paulo, estando em Éfeso, aos coríntios. Em um mundo neopagão, a mensagem cristã corre o risco de perder seu conteúdo essencial: a autêntica sabedoria e a ação de Deus sobre o mal nesta história se acham na cruz de Jesus. A partir de então, intui-se o verdadeiro critério da unidade da fé cristã: as atitudes do cristão na vida social, no culto, na família, inclusive, ainda, em relação à sua esperança. A pluralidade das experiências atuais poderá enriquecer a comunidade cristã, caso não se perca de vista que o Deus a quem anunciamos deve ser o mesmo proclamado por Jesus de Nazaré.
No livro dos Atos dos Apóstolos (18,1-18), temos um testemunho direto e muito valioso da constituição da comunidade cristã de Corinto por parte de São Paulo. Lucas narra-nos que Paulo evangelizou esta cidade e ali fundou a igreja durante sua segunda viagem missionária, com a ajuda de Silvano e de Timóteo, por volta do ano 51 d.e. A jovem e promissora comunidade cristã de Corinto enfrentava diversas problemáticas: algumas advindas de fora, do ambiente frívolo, dissoluto e sincretista daquele porto marítimo no qual vivia, e outras que provinham do interior da própria igreja, sobretudo em decorrência das divisões internas. Com efeito, a comunidade foi dividindo-se em bandos, como se a fé fosse mais uma escola de filosofia entre as tantas que se podia encontrar nos ambientes gregos. Além disso, a assembleia dominical havia se degenerado em uma festa pagã, onde alguns (os que gozavam de riqueza econômica) se saciavam e se embriagavam, ao passo que outros (os pobres) passavam fome e necessidade (cf. 1Cor 11.17-22). A tudo isso se acrescia a atitude de alguns que punham em dúvida e não aceitavam princípios fundamentais da fé, como a ressurreição dos mortos.
Diante desta problemática, Paulo não podia ficar calado. Assim, escreve esta apaixonada Carta aos Coríntios em um estilo direto e pessoal, que revela o intenso amor do apóstolo a Cristo e àqueles que ele chamou de "meus próprios filhos" (1 Co 4.14). Neste contexto, entendemos melhor ó ensinamento paulino acerca dos carismas, que, em vez de serem causa de discórdia ou de divisão deveriam ajudar a criar a unidade na diversidade, pois todos os dons provêm de uma única fonte: Deus. A esta temática, Paulo dedica os capítulos de 12 a 14.
No texto que escolhemos para nossa consideração (12,12-31), o apóstolo recorre à metáfora do corpo humano para ensinar que todos os crentes formam uma só Igreja, mesmo que cada um cumpra nela sua própria função, de acordo com os talentos e os carismas recebidos do Espírito. Mediante a diversidade dos membros da comunidade, chega-se à unidade em Cristo. Na igreja de Corinto, existia, de fato, grande pluralidade de procedências e de condições socioeconômicas entre seus membros: havia judeus e pagãos, escravos e livres; homens e mulheres, ricos e pobres, gente culta e gente iletrada; todos, porém, unidos em Cristo e no Espírito formavam um só corpo social, a igreja de Corinto.
Todas as tarefas são importantes dentro da comunidade; por mais humilde que pareça, todo trabalho é importante; por conseguinte, devem-se rechaçar todas as presunções de superioridade, bem como os complexos de inferioridade. Assim como no corpo físico todos os membros são importantes, o mesmo se dá na Igreja: cada crente ocupa um lugar e exerce uma função insubstituível. O que conta é que cada um coloque a serviço do bem comum seu próprio talento ou dom. E se é o caso de privilegiar alguém, conforme a comparação usada por Paulo, teriam de ser os membros mais fracos, os mais pobres e necessitados. Tal opção preferencial justifica-se precisamente pela necessidade de recuperar a equidade, a igualdade e a justiça, a fim de que possa existir unidade verdadeira com os demais membros da comunidade e com Cristo.
As circunstâncias que caracterizavam a comunidade cristã de Corinto, com seus grandes valores potencial idades, assim também com seus preocupantes desvios e fragilidades, podem refletir muito bem a situação de nossas comunidades crentes deste terceiro milênio.
Eu rezaria assim: “Senhor Deus, graças te dou porque tu quiseste fundar a tua igreja na unidade da fé em Cristo e na ação do único Espírito que age em todos e suscita os diversos carismas e funções para o bem comum. Ajuda-me, suplico-te, a colocar a serviço da unidade e do bem comum todos os talentos, qualidades e virtudes que tu mesmo infundiste em minha vida.
À luz da Palavra meditada, entrego-me nos braços misericordiosos de Deus e desejo que ele inflame meu coração, ilumine meu entendimento e guie minha vontade. E você? O que você faria?
Com que atitude ou compromisso concreto posso ajudar a criar a unidade na diversidade em minha comunidade eclesiástica?