Origem da Lectio Divina
A Lectio Divina tem uma história de pelo menos 2.500 anos. No Antigo Testamento o povo de Israel rezava a Palavra e usava a Palavra para rezar. No livro de Neemias cap 8, 2-10 diz que o povo se reuniu para ouvir Neemias ler o livro desde a manhã até ao meio dia. Todo o povo ouvia atentamente a leitura do livro da Lei. Este texto tão antigo é o precursor da lectio…
E isso durou durante gerações. Todos os Padres da Igreja tanto no Oriente como no Ocidente praticavam esse método e encorajavam o fiéis a fazerem o mesmo em suas casas. Os monges fizeram da Lectio o centro de suas vidas. Santo Antão séc II, sabia a Escritura de cor . Para São Pacomio, São Basílio, São Jeronimo fazia a leitura frequente da Bíblia e era o “alimento celestial”, “pão descido do céu”. São Cipriano escrevia a respeito da Biblia: “tendes sempre a Lectio Divina entre as mãos”. São Bento na Regra no cap IV diz : "ouvir de boa vontade as santas leituras e dar-se frequentemente à oração…"
Como podemos passar por cima dessa tradição? Num dado momento acharam melhor colocar por escrito esse método para ajudar os noviços a interiorizarem a Palavra através do Espirito Santo.
O Método que vamos falar aqui nasceu no séc XII com o monge Guigo que percebeu que lendo o texto bíblico era possível reler o passado à luz do presente, trazendo uma grande contribuição para o futuro. Guigo sentia que a Palavra de Deus comprometia e que o conjunto dos livros que formam a Bíblia era tido dentro de uma unidade. Dentro dessa unidade, percebia que estavam presentes três níveis de compreensão: literário, histórico e o teológico. Cada um tem sua especificidade, o primeiro está mais próximo do texto, o segundo leva mais em consideração a situação histórica em que o texto foi escrito e o terceiro está diretamente relacionado com a mensagem de Deus.
Orígenes é o grande idealizador do termo Lectio Divina. Muitos traduzem Lectio Divina por leitura divina, outros por leitura orante. O que nos importa é o valor que esse método tem para nossa vida. A Lectio Divina é resultado da prática da leitura que os cristãos faziam e fazem da Bíblia. Essa prática usada pelos cristãos, já é um resquício da tradição das comunidades do Antigo Testamento. As comunidades liam os textos bíblicos que eram passados de geração em geração.
A grande contribuição de Guigo foi a de sistematizar os passos da Lectio Divina. Ele sugere que sejam seguidos quatro passos. O termo utilizado para cada momento é degrau. Com o intuito de partilhar a forma como compreender melhor o texto bíblico, resolveu escrever um livrinho no qual intitulou "A Escada dos Monges". Escreve para outro monge dizendo: "certo dia, durante o trabalho manual, quando estava refletindo sobre a atividade do espírito humano, de repente se apresentou à minha mente, a escada dos quatro degraus espirituais: a leitura, a meditação, a oração e a contemplação. Essa é a escada dos monges, pela qual eles sobem da terra ao céu. É verdade, a escada tem poucos degraus, mas ela é de uma altura tão imensa e inacreditável que, enquanto a sua extremidade inferior se apóia na terra, a parte superior penetra nas nuvens e investiga os segredos do céu". E diz mais: "A leitura é o estudo assíduo das Escrituras, feito com espírito atento. A meditação é uma diligente atividade da mente que, com a ajuda da própria razão, procura o conhecimento da verdade oculta. A oração é o impulso fervoroso do coração para Deus, pedindo que afaste os males e conceda as coisas boas. A contemplação é uma elevação da mente sobre si mesma que, suspensa em Deus, saboreia as alegrias da doçura eterna".
A Lectio Divina supõe alguns princípios: a unidade da Escritura, atualidade ou encarnação da Palavra e a Fé em Jesus Cristo, vivo na Comunidade.
Os quatro degraus pedem que o leitor fique atento à:
1º - Leitura A leitura vou fazer, vou rezar e refletir. Devo, então, me perguntar: O que o texto diz em si? Ler, meditar, rezar, contemplar. Passos tão pequenos, fazem a vida transformar.
A leitura é o primeiro passo, ou degrau da Leitura Orante da Bíblia. Ler na Biblia, reler, tornar a ler, cada vez mais, conhecer bem o que está escrito, até assimilar o próprio texto; respeitar o texto tal como ele é, sem interpretações precipitadas, sem achar que já conhece esse texto. A Sagrada Escritura é como uma fonte de água. A cada instante brota uma água nova que não é a mesma água do segundo anterior. É como um copo de água que você bebe. Só se bebe aquele copo d’água uma vez na vida. Assim cremos que seja a Palavra de Deus é sempre nova e atual. Ao ler o texto da Escritura, fazê-lo com o respeito de quem se encontra pela primeira vez. Estar atento para as palavras, as repetições, o jeito como está escrito, quem aparece no texto, em que lugar, o que fazem, o que falam... Muitas vezes precisaremos lançar mão de algum subsídio que ajude a entender o texto e o seu contexto histórico/social; usar estudos, dicionários bíblicos, livros, a ciência, a teologia e outros meios. De acordo com Dt 30,14 -“A Palavra está muito perto de ti: na tua boca” - é chegar perto da Palavra de Deus; a Palavra está na boca. Aqui descobrimos o que o texto diz em si mesmo.
2º - Meditação: Meditando passo a passo, vou assim, sem distrair, perguntando, perguntando: O que o texto diz para mim?
A meditação é o segundo degrau. Depois de ouvir e ler a Sagrada Escritura, de assimilá-la criativa e ativamente, vamos usar a imaginação, palavras, a repetição mental ou oral de uma palavra, uma frase, um versículo. Repetir de memória, com a boca, o que foi lido e compreendido. Vamos ruminar até que, da boca e da cabeça, passe para o coração. Já não é mais só o que o texto diz, mas o que esta palavra está dizendo hoje, o que me diz concretamente dentro da realidade em que estamos vivendo. O que Deus falou no passado e o que está falando hoje, através deste texto? É uma forma simples de meditação, um jeito de saborear o texto com cores e cheiros de hoje, da nossa realidade. “A Palavra está muito perto de ti: na tua boca e no teu coração”. Questionamentos: O que o texto me diz? (Ruminar, trazer o texto para a própria vida e a realidade pessoal e social.)
3º - Oração: E agora vou rezar, por aqueles que são teus, abrirei meu coração: O que vou dizer a Deus?
A meditação nos faz subir o terceiro degrau. A leitura e meditação se transformam em um encontro mais direto, íntimo e pessoal com Deus. Entramos em diálogo, em comunhão amorosa com Deus. Respondemos a Deus, pedimos que nos ajude a praticar o que a sua Palavra nos pede. O texto bíblico e a realidade de hoje nos motivam a rezar. O terceiro passo é a oração pessoal que pode desabrochar em oração comunitária, expressão espontânea de nossas convicções e sentimentos mais profundos. “A Palavra está muito perto de ti: ... no teu coração”. (Rezar – suplicar, louvar, dialogar com Deus, orar com um salmo...)
4º - Contemplação: Contemplar enfim, eu vou, sem ter pressa e sem demora, meu Senhor já me enviou: O que vou fazer agora?
É o transbordamento do coração em ação transformadora. “Para que ponhas em prática” (Dt 30,14). Contemplar não é algo intelectual, que se passa na cabeça, mas é um agir novo que envolve todo nosso ser. É contemplativa a pessoa que tem o “jeito novo” de ser, viver, ver e assumir a vida, conforme o projeto daquele que é o nosso único Mestre e que nos diz: “Vocês são todos irmãos” (Mt 23,8). A Leitura Orante se torna uma atitude continuada no dia-a-dia por uma ação transformadora – pessoal, comunitária, social, mundial.
Resumindo. A leitura responde a pergunta: O que diz o texto? A meditação responde: O que diz o texto para mim, para nós? A oração responde: O que o texto me faz dizer a Deus? E a contemplação ajuda a responder: Estou pronto para nova missão?
Os quatro degraus seguem um dinamismo onde a cada momento o leitor da Bíblia é convidado a recomeçar todo o processo.
Obs: Quem deseja conhecer melhor esse método adquira o meu livro: Leitura Orante Caminho de Espiritualidade para Jovens, editado pelas Paulinas. Este livro se encontra na Sétima Edição e tem uma tradução para o Espanhol.