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18 A Missericórdia Renova a Vida Genesis 6,5-9,17
18 A Missericórdia Renova a Vida Genesis 6,5-9,17

Já aprendemos que o povo da Bíblia, ao contar suas experiências, suas histórias de vida, não se preocupava em contar os fatos do jeito como eles aconteceram. O povo conta e reconta suas histórias, preocupado com amensagem. A memória dos mais velhos ajuda os mais jovens a conhecer melhor quem  é Deus. Ajuda a iluminar o "seu hoje" para encontrar saídas nas dificuldades e  fortalecer a esperança.

 

Os textos bíblicos, principalmente os textos que compõem nosso caderno (Gn 1-11), não são reportagens de fatos que aconteceram num passado bem distante. São um registro das experiências contidas na vida, na alma e na memória do povo. E o registro dessa memória é feito a partir da sua vida concreta, do seu cotidiano, dos conflitos da lida diária, embalados por seus sentimentos, seus sonhos, suas conquistas, suas decepções, suas tristezas e alegrias.

 

Para escrever a memória de seus antepassados, os autores bíblicos se utilizavam de várias formas literárias para transmitir sua mensagem, como poesia, contos, narrativas, fábulas, parábolas, mito... Essas várias formas de escrever uma mensagem chamamos de gênero literário.

 

Precisamos perceber que essa narração (Gn 6,5-9,17) traz a memória de dois grupos (tradições) distintos que pertencem a épocas bem diferentes. 

 

Na verdade é uma mistura de duas narrações. Uma foi escrita no tempo do rei  Salomão (971-930 a.C) e é chamada Tradição javista A outra foi escrita por um  grupo de sacerdotes(tradição sacerdotal  durante o exílio da Babilônia (a partir do ano 586 a.C).

 

Para entender melhor a leitura, podemos fazer a seguinte divisão:

 

a) Introdução e decisão de destruir o mundo (6,5-13).

 

b) Instruções dadas a Noé (6,14-7,5).

 

c) Descrição do dilúvio (7,6-24).

 

d) Descrição da descida da água (8,1-19).

 

e) A Aliança com Noé (8,20-9,17).

 

Para que a gente perceba bem a mistura das duas tradições, podemos  fazer o seguinte exercício: na sua Bíblia, sublinhe as passagens javistas que são  6,1-8; 7,1-5.7-10.12.16b.17b.22-23; 8,2b.3a.6.8-12.13b.20-22. Agora faça uma leitura, primeiro das passagens sublinhadas (javista), depois das outras, que pertencem à tradição sacerdotal. Resultarão duas versões muito semelhantes do mesmo relato, porém, cada uma tem seu próprio estilo.

 

- Uma fala que 7 pares de animais entraram na arca, a outra fala em um  par somente.

 

- Uma fala que as chuvas caíram 40 dias, a outra fala em 150 dias.

 

Viu como o autor não se preocupa em contar o fato do jeitinho que aconteceu? O autor final não se preocupa sequer em separar as narrações. Ele se preocupa com a mensagem.

 

No Oriente Médio existiam várias histórias que descreviam lutas entre divindades, como um combate entre o Sol e a Lua ou entre a Terra e as Águas.  Talvez, esta tenha sido uma das raízes das lendas do dilúvio, também comum a vários povos da região.

 

Para escrever essa mensagem contida na história do dilúvio, o autor  bíblico se baseou em um mito babilônico bastante conhecido pelo povo da  Bíblia. A narração se baseia em versões muito antigas como esta, por exemplo:

 

Numa reunião tumultuosa, os deuses resolveram inundar o mundo inteiro. Um deles, o deus EA, quis revelar segredo a um homem. Não o diz, porém, diretamente a ele, mas ele o cochichou às paredes da cabana onde o homem  estava dormindo: "constrói uma arca". Isto o homem fez (a descrição se parece  muito com a da Bíblia: as medidas, o betume, etc.).

 

E depois começou uma torrente de chuva e as águas aumentavam. Todos  os deuses entraram em pânico e procuraram no céu um abrigo.

 

Durante sete dias a terra ficou coberta de água e finalmente a arca parava  numa montanha. O homem soltava primeiro uma pomba, mas esta voltava; depois uma andorinha, mas esta voltava também. Porém, o corvo não voltou mais.

 

Então o homem ofereceu um sacrifício (os sacrifícios eram o alimento para os deuses) e, os deuses cheiraram o perfume doce e, como moscas, caíram  sobre o sacrifício".

 

Esta narração é muito mais antiga do que a da Bíblia. Já circulava no mundo antigo. Era uma narração bonita para contar. Quando chegou em Israel,  também quiseram contá-la, só que a contaram de modo diferente, com princípio em um Deus bom e justo, o criador dos céus e da terra. E o pano de fundo para contar a história foi o exílio da Babilônia.

 

O povo da Bíblia assume esta crença em um dilúvio e interpretou que, através do dilúvio, Deus estaria julgando e condenando a humanidade. Para  isso, mudou o relato que recebeu de outras culturas.

 

Antes de explicar o que está por trás da narração bíblica do dilúvio,  queremos lembrar que a Bíblia sempre faz a comparação das invasões dos impérios com um dilúvio que arrasa a terra.

 

Os profetas usam a imagem das águas que inundam um rio e invadem uma região para falar do castigo de Deus contra a injustiça da sociedade e a  ameaça ou invasão de nações estrangeiras. Veja o que diz Jeremias: "Quem é esse que sobe como o rio Nilo e como um rio de águas agitadas”?  

 

É o Egito que sobe como uma inundação e diz: Vou subir e cobrir a terra. Vou  arrasar cidades com todos os seus habitantes" (Jr 46,8).

 

O profeta também compara a invasão dos assírios contra os filisteus como uma inundação terrível: "Assim diz o Senhor: Olhem para as águas que se avolumam no Norte. Elas se tornam torrente que transborda, alagando o país e tudo o que nele existe,  as cidades e seus habitantes...  " (Jr 47,2).

 

Ezequiel diz que Deus anuncia a destruição de Tiro, grande potência  comercial da época, como um naufrágio em mar revolto (Ez 27) e uma inundação destruidora.

 

Porém é Isaías e seus discípulos que mais usam as imagens de catástrofes cósmicas para falar de acontecimentos históricos e, como aprofundam a imagem de Deus criador, contribuem mais diretamente para formar essa imagem do dilúvio universal.

 

Leia na sua Bíblia essas passagens de Isaías: 17,12-13; 30,25 e 57,20-21. Por trás da narração bíblica do dilúvio, está a mensagem de que Deus se serviu da invasão dos exércitos babilônicos para começar uma história nova com o resto do seu povo.

 

Se prestarmos bem atenção, veremos que a história do dilúvio no Gênesis parece um relato da criação às avessas.

 

As águas do dilúvio vêm do céu e dos abismos. Na criação, Deus havia separado as águas do alto das águas de baixo. Agora, se misturam. Deus tinha escolhido seu povo e o separou do meio dos outros. Pela invasão dos babilônios, deixa que novamente se misture.

 

Na criação, o Gênesis diz que, pela separação das águas, Deus dominou  as águas ameaçadoras e venceu o caos. Agora, o universo se descontrola, as águas saem de seus limites e se misturam, como antes da criação. Parece que a natureza se encarrega de julgar a humanidade e decide limpar, lavar a terra de toda maldade e corrupção.

 

Do dilúvio, aparece entretanto, uma mensagem de esperança. O modo como a Bíblia conta o dilúvio (Gn 6-9) revela que, mesmo da catástrofe mais terrível, Deus sempre faz subsistir uma chama de vida nova e de recomeço do mundo e da humanidade. Isso pode ser ilustrado.